Na margem barrenta do Rio Acre, o som ritmado dos remos ainda ecoa! É cedo da manhã no Porto do Quinze, e o catraieiro Afonso Rodrigues de Barros, de 65 anos, já está de prontidão. Com o olhar atento e os braços calejados, ele empurra sua pequena embarcação próximo as curvas do “Rabo da Besta”; nome folclórico que mantém a memória entre os moradores antigos de Rio Branco.
Há mais de três décadas, seu Afonso mantém essa rotina, transportando passageiros entre os bairros 15 e Aeroporto Velho, num percurso curto, mas cheio de significado.
“Já são 50 anos de profissão, comecei com 15 anos”, conta ele com um sorriso discreto. “Trabalhei 15 anos na catraia do bairro Cidade Nova, e estou aqui há 35 anos. A profissão, atualmente, está um pouco ‘devagar’. Trabalho de segunda a sábado, minha renda não chega a R$ 2 mil, tiro uns R$ 1.700. A passagem é dois reais — ida e volta dá quatro. Mesmo com tanto transporte por aí, tem gente que ainda prefere atravessar de catraia.”
A travessia, que dura poucos minutos, é uma alternativa prática e econômica para moradores que precisam ‘cortar’ o rio todos os dias. E mais do que um meio de transporte, tornou-se parte do cotidiano cultural da Capital acreana.
O cabeleireiro Orlando Gonçalves, de 35 anos, é um dos tantos passageiros fiéis do seu Afonso. “Moro no Vila Acre, venho até o bairro 15 e atravesso para o Aeroporto Velho. Faço essa travessia com o seu Afonso de segunda a sexta-feira. Não tenho medo, é seguro e mais rápido dessa forma. Além de tudo, essa tradição tem que continuar.”
Mesmo com a chegada dos transportes por aplicativo e o aumento de vias urbanas, a catraia permanece como um elo entre o passado e o presente de Rio Branco. No vaivém silencioso da embarcação, carrega-se muito mais que passageiros — carrega-se história, resistência e identidade ribeirinha.
Enquanto houver alguém disposto a remar contra a corrente do esquecimento, a curva do “Rabo da Besta” seguirá viva — sob o comando firme de catraieiros como seu Afonso, verdadeiros guardiões do rio e da memória de nossa cidade.