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POLÍCIA

Filhas de idosa morta após invasão policial no Acre quebram silêncio em podcast e cobram justiça

Filhas de idosa morta após invasão policial no Acre quebram silêncio em podcast e cobram justiça

Quase dois anos após a morte de Maria José Pereira, 67 anos, suas filhas Márcia e Magda falaram pela primeira vez em público sobre a invasão policial que, segundo elas, desencadeou o quadro de saúde que levou à morte da mãe. O relato foi feito no podcast Conversa Franca, apresentado pelo jornalista Uiliamis França e transmitido pela TV Tribuna (canal 9.1), Instagram e YouTube.

A abordagem ocorreu na noite de 8 de fevereiro de 2024, na Baixada da Sobral, bairro da Pista, em Rio Branco, quando policiais militares entraram na casa da família à procura de Márcio, filho de Maria José. De acordo com as irmãs, o alvo da ação já estava preso havia quase dois anos, fato que teria sido informado aos agentes ainda no início da abordagem.

A noite da invasão

Segundo o relato de Márcia, naquele dia elas haviam acabado de chegar da academia. A mãe estava na cozinha preparando o jantar, as crianças brincavam na frente da casa e o portão permanecia aberto, como de costume.

Ela conta que saiu para a área ao perceber a chegada da viatura, acreditando se tratar de uma situação normal, até mesmo de interação com as crianças da rua. Um dos policiais, identificado por elas como Neto, teria perguntado pelo irmão:

“Ele perguntou: ‘Cadê o Márcio?’. Eu respondi que o Márcio estava preso. Quando eu falei isso, a fisionomia dele mudou na hora”, relatou.

As irmãs afirmam que, mesmo após Maria José fornecer o nome completo do filho e o policial confirmar no sistema que ele realmente estava preso, os agentes permaneceram no local, em vez de encerrar a abordagem.

Acusações de xingamentos e truculência

Márcia e Magda afirmam que a partir desse momento o clima ficou tenso. Segundo elas, o policial teria passado a tratá-las com hostilidade:

“Ele falou que era acostumado a lidar com ‘gente vagabunda da laia de vocês’”, contou Márcia.

As irmãs relatam que a mãe, já nervosa, começou a passar mal ao presenciar a discussão. Mesmo após serem informados de que Maria José era cardíaca, fazia uso de medicação controlada e apresentava histórico de problemas no coração, os policiais não teriam interrompido a ação.

De acordo com as entrevistadas, em meio ao tumulto houve uso de spray de pimenta dentro da residência, atingindo a idosa e até uma criança de um ano que estava no colo de uma das mulheres. Márcia e Magda afirmam ainda que foram imobilizadas, colocadas na viatura e levadas à delegacia, saindo da casa sob forte abalo emocional.

Enquanto as filhas eram conduzidas, Maria José era socorrida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e encaminhada ao hospital.

Saúde frágil e morte cinco dias depois

As filhas destacaram que Maria José era uma paciente cardíaca em acompanhamento constante: fazia uso diário de medicações, media com frequência glicemia e pressão arterial e já havia passado por procedimentos como cateterismo e angioplastia. Apesar disso, segundo as duas, sempre retornava para casa após as crises.

Dessa vez, porém, o desfecho foi diferente. Cinco dias depois da invasão, a idosa morreu no hospital.

Márcia relatou que, na visita realizada no dia da morte, o médico chegou a pedir que elas evitassem levar qualquer informação sobre o episódio policial para não abalar ainda mais a paciente. Ela lembra que chegou a mentir para tranquilizar a mãe:

“Eu disse pra ela que os policiais tinham pedido desculpa, que estava tudo resolvido. Ela deu um sorrisinho e perguntou: ‘Sério, minha filha?’ Foi a última vez que eu vi minha mãe viva”, contou, emocionada.

As irmãs afirmam não ter dúvidas de que o episódio foi determinante para a piora do quadro clínico:

“Se não tivesse acontecido aquilo naquele 8 de fevereiro, eu tenho certeza que minha mãe estaria viva hoje”, disse Márcia.

“Não fomos acolhidas”

Além da dor da perda, Márcia e Magda contaram que se sentiram desamparadas pelas instituições após o caso. Segundo elas, houve, no início, apenas uma oferta pontual de acompanhamento psicológico, que teria durado poucos dias.

As irmãs também relataram ter sido processadas por desacato em razão do episódio, mas disseram que foram absolvidas. Elas afirmam que só souberam que o procedimento contra o policial havia sido arquivado ao ouvi-lo dizer, durante uma audiência, que “não devia nada” porque seu processo já teria sido encerrado.

Diante disso, a família procurou a Corregedoria, o Ministério Público e seguiu acompanhada pela advogada Elaine, em busca de responsabilização e esclarecimentos. No podcast, as irmãs comemoraram a reabertura do inquérito e disseram esperar que, desta vez, o caso seja analisado com rigor:

“Eu não quero que passem a mão na nossa cabeça, nem na deles. Eu só quero que a justiça seja feita de verdade”, afirmou Márcia.

Medo, traumas e memória de Maria José

O impacto emocional sobre a família, segundo as entrevistadas, se estende até hoje. Magda contou que o filho, uma criança autista, descreve detalhadamente o que viu naquela noite sempre que é questionado, e que desenvolveu medo da polícia.

Elas descrevem Maria José como uma mãe amorosa, conhecida e querida na rua onde morava, alguém que “vivia para os filhos” e que transformava qualquer gesto simples em gratidão.

“Se você chegasse com um bombom, ela te agradecia pro resto da vida. Ela era encantadora. Não é porque é nossa mãe; qualquer vizinho confirma isso”, disse Magda.

A família mantém a casa de Maria José praticamente intacta, como forma de preservar sua memória:

“A gente pinta, compra um sofá novo, um bebedouro, como se fosse pra ela. A casa era o sonho dela. É o lar dela”, contou Márcia.

Cobrança por justiça e recado às autoridades

Ao final da entrevista, as irmãs reforçaram o apelo para que o Judiciário e o Ministério Público conduzam o caso com atenção e imparcialidade:

“Que olhem com carinho, que vejam as provas, os vídeos, e que esse erro não fique impune, pra que outras famílias não passem pelo que a gente está passando”, disse Magna.

Durante o podcast, o apresentador Willamis França afirmou, ao vivo, que o espaço do Conversa Franca está aberto para que o policial militar mencionado, Manoel Ribeiro do Nascimento Neto, ou seus representantes legais apresentem sua versão dos fatos, bem como para manifestação oficial da Polícia Militar.

O jornalista ressaltou que o compromisso do programa e do portal Notícias da Hora é com um jornalismo responsável, ouvindo todos os lados envolvidos, especialmente em casos que envolvem denúncias graves de abuso de autoridade e violações de direitos.