Nos últimos dias o mundo se concentra no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
Além dos milhões de brasileiros que sofrem com a já tradicional carência de condições básicas de higiene, sistema de saúde precário e falta de empregos, uma nova calamidade provoca a paralisação da maior parte da economia formal.
Pensando nisso, governantes começam a debater, ainda de forma confusa e descoordenada, ações visando minorar os efeitos da crise na população.
Dentre algumas medidas já anunciadas, o Banco Central do Brasil liberou para os bancos um trilhão e duzentos bilhões dos empréstimos compulsórios dos bancos (parcela dos depósitos dos correntistas que devem ficar retidos no Banco Central), o que representa aproximadamente 16,7% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional.
É muita coisa. Esse é um dinheiro que ficaria parado (esterilizado no jargão do mercado) e que agora pode ser cedido ao público com a cobrança de juros.
A Febraban anunciou medidas supostamente ajustadas com as principais instituições (Banco do Brasil, Itaú, CEF, Santander e Bradesco) para suspender por 60 dias o pagamento das parcelas dos empréstimos das pessoas físicas e pequenas empresas.
É pouco! É quase nada!
Mas, pior, ao invés de simplesmente suspenderem a cobrança (ainda que por esses insuficientes sessenta dias) para o que bastaria dar um comando em seus sistemas, os bancos querem repactuar os contratos – por vezes em condições piores dos que as inicialmente contratadas, além de dificultarem o acesso aos correntistas.
Sem dizer que, repactuação implica em assinaturas, tratativas pessoais, algo absolutamente descabido quando as autoridades recomendam isolamento social. Riscos desnecessários para bancários e clientes. Absurdo completo!
Ressalte-se que nossos gerentes e atendentes, em geral esforçados, não tem qualquer responsabilidade no tópico, já que estas políticas são definidas pelas respectivas Diretorias, e via de regra implementadas via aplicativos.
Ora, se todos somos obrigados a darmos nossa cota de contribuição, é chegada a hora dos bancos minimamente contribuírem para a superação deste momento difícil com o menor custo possível.
E, note-se, não estou falando de anistia (perdão de dívidas), mas, simplesmente, de uma prorrogação – nas mesmas condições em que contratados, dos empréstimos, seja para as pessoas físicas, sejam para as empresas.
Explico a necessidade:
Os profissionais liberais, simplesmente foram forçados e encerrarem suas atividades, pelo menos no atendimento presencial.
Da mesma forma os prestadores de serviços em geral: lojistas, academias, salões etc.
Igualmente as empresas estão sendo forçadas à manterem o maior contingente de seus funcionários em casa, e o faturamento, via de consequência, deve cair abruptamente.
Além disso, todos estão sendo obrigados a adquirirem emergencialmente itens de sobrevivência, sejam alimentos, medicamentos, material de limpeza ou insumos em geral que permitam se manter, ainda por prazo incerto.
Neste contexto, a atitude cínica dos bancos (com raras exceções) indica que falta a este segmento um mínimo de sensibilidade social.
Aonde o bom senso falha, outras opções haverão de se impor:
Em São Paulo, ante a falta de sensibilidade do Governo Federal, o governo local obteve no STF a suspensão do pagamento das dívidas com a União para utilizar estes recursos em atividades de saúde.
Sem alternativas o Governo Federal acabou por estender a todos os Estados a decisão.
Não será diferente com os bancos!
Ou eles tomam a iniciativa ou sucumbirão às milhares de ações judiciais que forçarão o retorno do bom senso.
Nunca é demais lembrar que nosso Direito, de origem romano-germânica, ao lado de da cláusula “pacta sunt servanda” (contratos devem ser mantidos) aplica a exceção “rebus sic stantibus” (desde que as coisas permaneçam como estão).
Ora, tudo mudou, evidentemente.
Nada hoje é mais como ontem.
Aliás, os bancos, com seus sofisticados departamentos de análise de conjuntura e prevenção de riscos sistêmicos deveriam ter se antecipado para estarem neste momento liderando a busca de soluções, e, não, acomodados no aguardo de medidas governamentais.
Assim sendo, proponho que as instituições bancárias suspendam imediatamente o débito de parcelas dos financiamentos na natureza estritamente bancária (excluídos aqueles em que funciona como repassador – ex.: cartões de crédito que deverão ser objeto de outra negociação). Isso deve valer para consignados, CDC, e qualquer nomenclatura que seja adotada pelas diferentes empresas.
E, mais, me parece que o prazo apropriado seria de 180 dias, já que o próprio Ministro da Saúde prevê um longo período até o declínio robusto da curva pandêmica.
Os próximos dias indicarão se este ajuste ocorrerá de forma consensual ou se os tribunais serão chamados.
E, asseguro a todos, “ainda há Juízes em Berlim”.
*Pedro Luís Longo é advogado, professor universitário e juiz aposentado.