No Brasil, poucos mecanismos revelam com tanta nitidez a distância entre o discurso da moralidade pública e a prática da política institucional quanto as chamadas emendas Pix. Criadas para agilizar o repasse de recursos da União para estados e municípios, essas transferências dispensam projetos prévios e prestação de contas imediata, tornando-se um terreno fértil para distorções éticas, usos eleitoreiros e, em muitos casos, fraudes escancaradas.
No Acre, a história não é diferente — e talvez seja ainda mais grave. Com um dos menores PIBs do país e municípios que dependem quase integralmente de repasses federais, a ausência de critérios técnicos e a pulverização de milhões de reais em verbas públicas sem transparência colocam em xeque a legitimidade do sistema político. Só em 2024, mais de R$ 109 milhões foram destinados por deputados federais acreanos aos municípios. Quando se somam as cifras dos senadores e de anos anteriores, o volume ultrapassa os R$ 355 milhões. O problema não é o recurso em si, mas sua lógica: um dinheiro que chega sem rastreio, sem planejamento e com um forte cheiro de apadrinhamento político.
Atualmente, vivemos tempos de fragilidade institucional e dissolução de vínculos de confiança. As emendas Pix se inserem nesse contexto, pois materializam uma forma de governança volátil, onde o que deveria ser política pública vira moeda de troca e capital eleitoral. Não há compromisso com políticas duradouras, mas sim com o imediatismo do favoritismo político. O resultado é o enfraquecimento do Estado como promotor do bem comum e o fortalecimento de redes informais de poder.
Ao analisarmos esse fenômeno, nos chama a atenção a “privatização do público”. Em outras palavras, o uso da estrutura estatal em benefício de projetos pessoais ou partidários. Quando parlamentares do Acre, por exemplo, destinam recursos milionários a municípios fora do estado — como ocorreu em 2024 com repasses para prefeituras de São Paulo — ou concentram verbas em redutos eleitorais sem critérios técnicos, estão praticando exatamente isso: esvaziando o sentido republicano da política.
A população acreana, que carece de serviços públicos essenciais, torna-se vítima dupla desse esquema. Primeiro, porque os recursos que poderiam ser aplicados de forma equitativa em educação, saúde ou infraestrutura, são distribuídos por afinidade política. Depois, porque a falta de transparência inviabiliza o controle social — e, quando há suspeita de desvio, já é tarde demais. O Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas do Estado têm tentado reagir, mas o jogo de interesses é poderoso e institucionalmente blindado.
Enquanto isso, a realidade dos municípios do Acre continua sendo marcada por escolas precárias, hospitais desassistidos e estradas em condições miseráveis. A pergunta que resta é: até quando a população pagará a conta de um sistema que beneficia poucos e prejudica muitos?
A democracia representativa precisa de luz, critério e responsabilidade. A manutenção das emendas Pix no formato atual é o oposto disso. E cada centavo mal aplicado nessa engrenagem silenciosa de poder custa muito mais do que dinheiro — custa futuro.
*Tácio Júnior é jornalista, pela Universidade Federal do Acre, acadêmico de sistemas para internet, pelo Instituto Federal do Acre, e assessor do vereador André Kamai.