O que vou falar me ocorreu entre um passo e outro no Parque da Maternidade hoje pela manhã. Não é nada fácil falar de coisas inexplicáveis para justificar a razão. O que a gente lê do mundo vai se acumulando num lado do cérebro e de súbito vem à tona como uma imitação da realidade.
Depois do polêmico enfeite dos portais do parque em quadrados azuis, veio a explicação do secretário: “é uma homenagem aos autistas”. Que coisa mais fabulosa. Logo imaginei o parque todo tingido de milhares de tons celestes, as luminárias europeias brilhando, os bancos de jardins imperiais recuperados, as pontes firmes, as namoradeiras reerguidas com suas flores, os quiosques fluídos de gente, as calçadas com desenhos de amarelinhas, os playgrounds infantis com suas crianças nimbadas, as academias para idosos com seus professores entusiasmados pela longevidade, as ciclovias entapetadas, os animais com seus donos sorrindo, os pais com seus filhos alegres no pequeno mundo azul.
A polêmica das cores caiu na vala política: de um lado, azul; do outro, vermelho, e quem ganha com isso? A gente observa as virtudes nas pequenas ações. Quisera que fosse uma iniciativa de verdade. O Acre conta atualmente com apenas 02 neuropediatras para atender os 22 municípios e o pior é que não se sabe ao certo quantas crianças possuem o espectro diagnosticado; no entanto, a associação de pais de Cruzeiro do Sul acredita que, para cada 44 crianças nascidas no estado, uma seja autista e o número de pessoas com essa condição gire em torno de 20 mil. Pelo menos 7.500 crianças com o espectro estão nas escolas.
A arenga política que antecede as eleições 2022 tem um alvo preciso, cujas forças contrárias, com seus ideários costurados no peito, se entrechocam: a árvore e a motosserra. E o que a sociedade ganha com isso? Os 20 anos do PT só deram tempo de fincar o mastro da gameleira para a enorme bandeira acreana num gesto de pertencimento. O parque da maternidade, longe de ser um símbolo áureo do PT, virou lenda urbana no bojo de um dos casos mais graves de corrupção nos governos do Acre. O parque é lindo, mas precisa de cuidados maiores. Mesmo com a pintura e a capina, continua relegado. Uma vez até pensei em plantar poesia nas árvores, mas desisti.
É nítido que a pintura dos quadrados nos portais não representa nada perante o colossal desafio do mundo azul. Que bom seria se Rio Branco assumisse a sua verdadeira cor e adotasse o parque da maternidade como o símbolo do nascimento de uma nova política inclusiva.
Quem convive com pessoa autista sabe o quanto elas amam e ensinam a amar de verdade, são limpas das máscaras que escondem a vaidade egóica e corrói a dignidade humana, não fazem intrigas, e só o fato de serem do mundo azul já é tanta coisa, pois há gente que, mesmo tendo dois olhos para ver, só escuta com os ouvidos da ignorância. A pessoa autista é genuína e de inteligência para além do que se conhece na ciência. Uma vez, ao sair da biblioteca pública com uma adolescente autista que me tem afeto, perguntei a ela quem era aquele rapaz, me referindo ao “Pai me dá um real”. Ela disse: é um homem que sente calor pois está sem camisa.
De minha parca experiência no mundo azul entendi que Deus já está modelando o ser humano do futuro. Esse futuro não será azul nem vermelho, mas das cores infinitas do arco-íris.
Antonia Tavares é bacharel em economia e autora do livro Loucas e bruxas, bruxas e loucas: contos e poeminhas pela editora 3 Serpentes.