O acidente da envolvendo uma aeronave da Rico Linhas Aéreas completa hoje 21 anos. O avião que decolou de Cruzeiro do Sul com destino a Rio Branco, com 31 pessoas a bordo e caiu a quatro quilômetros da pista do aeroporto da capital.
Como consequência da colisão, três tripulantes e dezessete passageiros faleceram no local, sendo que três passageiros vieram a falecer posteriormente, seis sofreram lesões graves e dois sofreram lesões leves.
Nos últimos anos foram muitas as reportagens sobre o acidente do voo 4823, porém, nenhuma análise foi feita sobre as condições técnicas desse voo. O objetivo deste conteúdo é analisar minuciosamente os fatos ocorridos pela ótica aeronáutica e abrir o debate a respeito da segurança de voo na região.
É sabido que os anexos que regulamentam a atividade aérea, corroborado com várias convenções internacionais não permitem a ninguém, nem mesmo a nenhum órgão, apontar culpados do acidente, mas sim analisar diferentes pontos de vistas a fim de evitar desastres futuros.
O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) investigou o caso do voo 4823 durante 24 meses e concluiu que o mau tempo e os fatores humanos causaram o acidente.
Durante o processo de investigação, afastou-se a hipótese de falha mecânica e pane seca, mas identificou-se um conjunto de procedimentos que degenerou a operação. Entre algumas variáveis importantes, o perfil psicológico do comandante, sem dúvidas, foi preponderante e culminou numa baixa consciência situacional que resultou no mau gerenciamento da cabine.
Conhecido por ser assertivo, o perfil psicológico apontou o profissional com temperamento difícil, preocupado com autoimagem e autoconfiante. O copiloto era introspectivo e tímido. Essa combinação contribuiu para um ambiente desfavorável diante de um voo desafiador.
As condições climáticas apresentavam o cenário de alerta. Registrava-se chuva forte e pouca visibilidade, porém, a velocidade do vento era aceitável. Apesar das adjacências do aeroporto registrarem fortes ventos, não houve turbulência e nem o fenômeno Windshea (também conhecido como tesoura de vento) na trajetória da aeronave.
Outro fator exógeno contribuiu para a forte pressão sobre a tripulação. Segundo Cenipa, a bordo estavam passageiros com forte influência na sociedade e tinham comum interesse no pouso da aeronave naquele dia. Isso pode ter colaborado, mesmo que inconsciente, a não alternância para outro destino dado às condições meteorológicas.
O episódio acima reforça a ideia dos tripulantes da não alternância para o aeroporto de Porto Velho que tinha condições meteorológicas melhores. Existe uma cultura nefasta no setor aeronáutico que fatos assim, poderiam colocar os tripulantes em desvantagem e desprestígio na empresa.
Diante do cenário analisado, é seguro afirmar que o sinistro do dia 30 de agosto de 2002 poderia ter sido evitado se a tripulação seguisse o rito operacional da empresa e, sobretudo, das regras de voos que estavam submetidos.
Mesmo com muita experiência, os tripulantes insistiram em desviar o padrão operacional. Parâmetros obrigatórios que deveriam ser seguidos rigorosamente foram desprezados.
Abaixo o infográfico dispõe de informações passo a passo dos momentos críticos do voo até a sua queda.
Falta do CRM contribuiu para o acidente
A história do CRM remonta a 1979, quando um seminário "Cockpit Resource Management" patrocinado pela NASA confirmou que o erro humano foi a causa de muitos acidentes significativos.
O objetivo do CRM na aviação é reduzir o erro humano, fornecendo uma variedade de estratégias para ajudar a melhorar a eficácia da tripulação. Uma definição amplamente aceita de CRM é o uso eficaz de todos os recursos humanos, de hardware e de informação disponíveis aos pilotos para garantir a segurança e a eficiência do voo.
Ao contrário dos cursos de formação tradicionais que se concentram no conhecimento técnico e nas competências necessárias para operar uma aeronave, o CRM centra-se em competências cognitivas e interpessoais críticas.
Estudos demonstraram que pilotos com formação recente em CRM são mais capazes de lidar com novas situações do que pilotos sem formação recente em CRM.
Nos últimos 20 ano Acre registrou 29 acidentes aéreos
O Acre registrou mais de 29 registros entre incidentes e acidentes aeronáuticos, segundo o Cenipa, desde 2022. Majoritariamente as ocorrências ocorreram com aeronaves da aviação geral, no interior do estado.
As características variam desde falha do motor em voo até colisão contra obstáculos. Embora as médias das ocorrências pareçam altas, o dado é baixo e assegura a confiabilidade nas empresas que operam na região. A preocupação é que em todos os acidentes analisados o fator humano e falta de manutenção são fatores que mais influenciaram. Esse “gatilho” precisa ser mitigado a fim de garantir maior confiabilidade nas operações.
Um dos acidentes que chamou atenção foi a colisão do helicóptero de propriedade do governo do Acre com um caminhão em solo, ocorrido em 2020. Na ocasião, o helicóptero realizava uma operação policial, tinha pousado numa rodovia e foi atingido por um caminhão que passava próximo.
De acordo com relatório final, os investigadores do Cenipa também apontaram fatores humanos e a ausência de uma rotina de treinamento como causa do acidente:
“Houve uma avaliação inadequada dos riscos associados ao acionamento do motor enquanto veículos e pessoas podiam circular livremente ao redor do helicóptero, contrariando o estabelecido no item 8 do POP de decolagem em área restrita, o que revelou uma atitude complacente em relação a procedimentos importantes para a segurança.”
Portanto, conclui-se que embora a aviação no Acre seja segura, a fragilidade está na cultura organizacional dos profissionais que atuam no setor. O constante treinamento de tripulantes, respeito às regras de voos e a rigorosa periodicidade das manutenções são elementos fundamentais para uma aviação segura.
*Thiago Almeida é Graduado em Ciências Aeronáuticas pela Universidade Maurício de Nassau e Piloto Comercial de avião.