Era invisível quando ela deixava a casa dos patrões pelos fundos da cozinha, quando ele se curvava a polir o couro dos sapatos, quando ele apertava os botões do elevador enquanto abria e fechava a porta de metal frio, quando ele se despedia dos zelados envelopes à porta das casas, quando ela estendia o troco pela meia lua aberta no pé do vidro, quando ele lhe oferecia a xícara de café e sumia em silêncio como a fumaça da fervura, quando ela só, à noite, aspirava e aspirava mais, quilômetros de carpetes ainda frios do ar-condicionado, quando ele subia nos postes das ruas e remendava conversas esticadas em fios negros, quando ele se sentava à porta do prédio, a olhar a imagem estática da garagem, na pequena TV preto e branco, quando ela lhes oferecia uma rosa de papel vermelho por entre as mesas ruidosas, quando carimbava, quando costurava, quando soldava, quando lavava, quando desentupia, quando esculpia, quando empacotava, quando imprimia, quando trocava as fraldas de um filho que não seu, era invisível.
Não sei se a invisibilidade traz alguma alegria, só sei que deve haver nisso um muito de paz.
David Sento-Sé é publicitário por mais de 40 anos. É diretor de teatro, cinema e televisão.
Atua com sucesso no Marketing Político. Deu aulas de Comunicação em universidades. Ministra cursos, palestras e pós graduações.
David também é escritor, cronista, poeta, músico e artista plástico.
Seu maior orgulho é a sua culinária.
É do signo de Peixes, o que não tem a menor importância.