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ARTIGOS

Mais feijão, menos fuzil

Mais feijão, menos fuzil

Pra começo de conversa, devo confessar pra vocês aí na frente que eu sempre tive a impressão de ser um cara meio imbecil, idiota ou coisa que o valha. A minha pouca compreensão de muitas coisas é que tem feito, ao longo da minha história, iniciada na segunda metade da década de 1950, lá na periferia de Brasiléia, na fronteira com a Bolívia, eu pensar dessa forma.

Só de se pensar meio imbecil já se traduz numa imbecilidade. Isso por conta do fato de que existem situações em que ninguém pode ser meio alguma coisa. Um copo pode estar meio cheio ou meio vazio, assim como uma região pode ser meio árida ou meio úmida. Mas meio imbecil soa como meio grávido(a). Ser imbecil ou estar grávido(a) tem que ser completo.

Mas, voltando ao ponto inicial desse papo furado, faz-se necessário listar algumas situações desde sempre incompreensíveis pra mim, conforme eu já falei. Uma delas diz respeito à quadratura do círculo. Nas minhas aulas de geometria, no Colégio dos Padres, sob a batuta do saudoso professor Aníbal Brasil, eu jamais consegui meter um quadrado dentro de uma esfera.

Outra coisa que eu jamais consegui entender, dentro dos parâmetros do meu pensamento obtuso, é essa tal de gravidade da Terra, descoberta pelo Isaac Newton, num dia de extremada preguiça no qual ele tirava um cochilo sob os galhos de uma macieira. Pra mim, o que existe é uma lei de compensação ou contrapeso... Enquanto algo sobe, outro algo desce.

Ou seja, dizendo de outra forma: enquanto as maçãs caem sobre as cabeças dos preguiçosos, os foguetes sobem rumo ao espaço sideral e os objetos voadores não identificados mergulham nas profundezas abissais dos cinco oceanos (entre o Atlântico e o Pacífico existem muito mais do que furacões, viu paturebas?)... E por aí voam a imaginação e a vã filosofia.

O pior de tudo é que a minha meio imbecilidade, em vez de diminuir à medida que eu fico mais experiente, tem é aumentado. Tudo isso que eu disse até aqui sobre as minhas limitações de compreensão são perplexidades antigas, deformações, talvez, de um mentecapto sem tesão ou solução. Ultimamente, porém, a lista tem crescido exponencialmente.

Veja-se que até algumas verdades que eu considerava absolutas foram abaladas com declarações recentes das “otoridades” de plantão, encasteladas no Planalto Central, morada de deuses, astronautas e sítio de Dom Bosco. Casos, por exemplo, da planura do terceiro planeta do Sistema Solar, e da incapacidade dos cientistas para descobrir curas para os mais diversos males.

Dentro da minha meio imbecilidade, eu sempre acreditei, desde os meus tempos de ginasiano, e de acordo com as exposições enciclopédicas e eruditas dos mais diversos professores, que a Terra era redonda e que, por isso, a gente não deveria ter medo de cair no abismo depois do horizonte. E que seria pelas mãos da ciência que a gente prolongaria a vida. Eu acreditei.

Outra coisa que tanto a “minha boca escancarada e cheia de dentes”, assim como a “minha cabeça animal” (metáforas que um dia o papai aqui soprou no ouvido de um certo Raul Seixas) sempre entenderam como correto foi o direito de as empregadas domésticas brasileiras irem à Disneylândia (gargalhando até depois de 2022). Era isso e aquilo... Isso e um simples quilo.

Pronto, falei em quilo. Esse é o ponto. Toda a minha meio imbecilidade estancou nessa medida de peso. É que eu sempre gostei de feijão com arroz. Se for uma feijoada, então, cheia daqueles ingredientes trazidos nos navios negreiros, me faz farejar um lauto almoço a quilômetros de distância e andar léguas tiranas. Isso e uma caipirinha... Deixa comigo!

Mas, agora eu fiquei sabendo por aí que feijão não tá com nada. Em tempos de poder de talibãs, feijão é coisa de imbecil (aí eu não sou somente “meio”, sou “todinho”). O que conta nos dias atuais é um fuzil. Com cravos não se fazem mais revoluções. Feijoada com muita couve e laranja é comida para os fracos. E as balas que se disparam precisam encontrar corações.

Felizmente, como nem tudo é assim da altura do tratado das estrelas, ainda restam tanto ao céu quanto à terra supermercados onde a gente pode comprar os nossos quilinhos de feijão. Felizmente ainda não existe uma Medida Provisória obrigando essas casas de provisões a venderem armas de fogo e projéteis de chumbo. E assim, por hora, a nossa feijoada está salva.

Alvíssaras aos irmãos empreendedores que há 40 longos anos saíram de um seringal às margens do rio Purus para criar na capital acreana os Supermercados Araújo! E por isso, do dólar já não quero falar, nem da quadratura do círculo, nem da planura da Terra, nem da queda da maçã, nem de tubos de ensaio que lutam contra os vírus. Só quero dar vivas ao feijão!

(*) Jornalista e escritor. Autor, entre outros, do livro Joelhos de vidro, manguaça e outras crônicas.