Talvez, a estratégia de dizer que não sabia de nada tenha sido maior difundida nestas décadas através das instruções do brilhante advogado Márcio Thomaz Bastos, que assim orientava membros do governo e o próprio ex-presidente Lula no enfrentamento do processo nacionalmente conhecido por Mensalão.
Mas alegar o desconhecimento de determinado fato ou consequência com o objetivo de não sofrer responsabilidade não é algo moderno no mundo, como se tem visto no caso da atual pandemia, em que o desconhecimento acerca do vírus SARS-CoV-2 tem levado a ações norteadas pelo princípio da precaução, tomando-se por base a rápida edição pelo Congresso Nacional, do Decreto Legislativo n. 06, de 20 de março de 2020, que reconheceu o estado de calamidade pública em todo território nacional.
Também é no sentido de evitar um risco premente que os entes federados, Estados e Municípios, embasados por orientações técnicas e outras emitidas por organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, passaram a promover medidas restritivas com o escopo de evitar a rápida transmissão do vírus, tais como o rodízio de veículos, a restrição ao comércio e à aglomeração de pessoas em locais públicos.
Essas medidas foram preservadas pelo Poder Judiciário, por decisão cautelar (olha bem, cautelar) unânime nos autos da ADI n. 6341, no STF, proposta pelo Partido Democrático Trabalhista face a Medida Provisória n. 926/2020, editada pelo Presidente da República.
Aliás, ignorando a necessidade de precaução, o Presidente da República também editou a Medida Provisória n. 927, que prevê, no artigo 29, norma que veda a configuração de doença ocupacional ao trabalhador acometido pelo COVID-19.
Mais uma vez a Medida foi combatida no âmbito do STF por diversas entidades, entre elas o Partido Socialista Brasileiro (ADI 6348), que lograram êxito em suspender o artigo 29 da MP 927/2000, também de forma cautelar.
Seguindo a linha cronológica, após esses fatos alguns empresários e apoiadores do governo federal iniciaram movimentos políticos voltados a estimular o retorno das atividades comerciais à normalidade, reivindicando a revogação total das medidas preventivas e de controle ao coronavírus, sob o apelo, é claro, da manutenção de milhares de empregos sob a iminência de fechamento das empresas pela ausência de arrecadação.
Inobstante os importantes fundamentos erigidos pela classe empresária, me parece que algo não tem sido levado em consideração, e que também afeta o financeiro de qualquer empresa: a responsabilidade do empregador em garantir um ambiente sadio de trabalho ao empregado.
São numerosas as demandas no Judiciário que pleiteiam a obrigação do empregador em fornecer condições salubres de trabalho, bem como equipamentos individuais de proteção, que se não possuem o condão de inibir completamente os agentes insalubres, pelo menos atenuam os riscos de contaminação. É um custo conhecido por quem quem empreende.
Igualmente numerosas e ainda mais dispendiosas, são as demandas que visam à reparação do trabalhador, em aspectos materiais e imateriais, decorrentes do acometimento de moléstia de natureza ocupacional. No Brasil, essas doenças são equiparadas ao acidente de trabalho, e prescindem de efetiva comprovação de nexo causal para sua configuração, ou seja, presume-se que a contaminação se deu em razão do trabalho, pelos riscos que lhes são próprios.
A partir daí promovem-se as ações indenizatórias. As que possuem natureza imaterial, ligadas ao abalo moral do trabalhador, encontram limitação no artigo 223-G, parágrafo 1º, inciso IV, da Consolidação das Leis Trabalhistas, e equivalem até 50 (cinquenta) vezes a remuneração do trabalhador. Pode ser muito?
Já as demandas que possuem natureza material, levam em consideração eventual incapacitação para o trabalho, parcial ou total, pelo tempo dessa incapacitação - se temporária ou permanente, nos termos do art. 944 e seguintes do Código Civil. Em casos que vão ao óbito, ou à incapacitação total e permanente, as indenizações são calculadas com base na remuneração do empregado, multiplicando-a pelos meses faltantes entre sua idade e o que faltava para completar a expectativa de vida do brasileiro, medida pelo IBGE, na época própria. Pode ser muito?!
O afrouxamento das medidas de combate ao coronavírus pode ser um tiro pela culatra, quando a ideia é defender a saúde financeira da empresa e o emprego do trabalhador, e talvez necessite de melhor planejamento.
Diz o antigo adágio popular que é melhor prevenir a remediar. Algumas coisas ainda não possuem remédio, mas possuem prevenção. E no Brasil vige um princípio incrustado no artigo 3º da Lei n. 12.376/10, que reza a inescusabilidade do conhecimento da lei ou apenas ignorantia legis. É mais ou menos assim: você faz, mas depois não adianta dizer que não sabia.
*André Neri é advogado