Dois mil e sete. Eu tinha 17 anos. Gostava de política. Teria uma reunião do PMDB. Eu fui, sem ser convidado. Apenas como curioso. Entrei como um desconhecido, que de fato o era. Analisei. Havia alguns figurões, próceres do partido. Praticamente não conhecia ninguém. Mas eu o conhecia superficialmente. Na época, ainda era Dikin, que, sabia, era militante do partido. Resolvi me aproximar. Eu o cumprimentei e disse que gostava bastante do PMDB. Citei Ulysses Guimarães e Pedro Simon como referências e como justificativa da minha simpatia pelo glorioso. Ele foi simpático, receptivo, mas disse que aquele era o seu último dia no partido. “Que bom, Romisson. Seja bem-vindo! Mas eu estou de saída. Peço minha desfiliação hoje”. E o fez.
No meio da reunião, pediu a palavra, teceu algumas críticas contundentes e, em seguida, entregou o pedido de desfiliação ao presidente do partido. E foi embora. Eu fiquei até o fim da reunião pensando sobre aquela atitude. Não sabia se aquilo era arrogância, autenticidade, racionalidade ou alguma traição ou mágoa dessas que são comuns nos grupos políticos. Não sabia. Afinal, eu não o conhecia bem. Tinha um discurso articulado, boa dicção e conhecia política como poucos.
A política voltaria a nos aproximar algum tempo depois. Assisti a um discurso do senador Jéferson Peres na TV e resolvi me filiar ao seu partido —o PDT. Quando cheguei na agremiação trabalhista, ele já estava lá. Havia sido candidato a deputado estadual em 2006 para se projetar para vereador, na eleição seguinte. Ainda bem jovem, aos 26 anos, era promissor na política. Foi o segundo mais votado do partido. Ficou como primeiro-suplente. Obteve 520 votos. Saí do partido em 2009 e ele permaneceu. Mas já erámos próximos. Conversávamos com alguma frequência.
Paralelamente à política, descobri que ele gostava de rock. Eu também. Acrescentamos esse ingrediente no cardápio das nossas conversas.
O tempo passou. Ele resolveu ir embora. Me contou seus motivos e eu, prontamente, desejei-lhe que desse tudo certo em sua empreitada. Na época, ele publicou em uma rede social: “Digo um até breve, mesmo que seja um adeus!”. Foi um “Até breve!”. Cinco meses depois ele voltou.
Na volta, nosso amigo João Carlos de Carvalho fez um almoço para recebê-lo. Eu estava lá. Comemos bacalhau. Tomamos cerveja e conversamos bastante. Comigo, conversava muito sobre política e música; com João Carlos, sobre o Botafogo, paixão de ambos. O amor pela estrela solitária herdara de seu pai, de quem era fã incondicional. Costumava contar histórias do velho Dico e recheava-as com uma gargalhada inconfundível. Era impossível não rir.
Depois, resolveu fazer outra empreitada. Ficou um ano fora do Estado. Estranho que era, voltou discretamente. Só avisou a um amigo e pediu-lhe que não avisasse a ninguém que ele estava na cidade. Não havia razão nem lógica para essa suposta clandestinidade. Risos. Por acaso, eu o encontrei em uma caminhada, na Avenida Mâncio Lima. Esboçamos reciprocamente um abraço. Mas nos cumprimentamos com o cotovelo. Era março de 2020, prelúdio da pandemia.
A amizade cresceu. Ele sentia-se muito sozinho no período do isolamento. Cuidadoso, não saía de casa. Mas sempre me convidava pra ir visitá-lo. Eu ia. Sentava distante e sempre me oferecia algo. Normalmente, vitamina de banana. Às vezes, macarronada.
Tinha uma mente repleta de ideias. Criativo. Ficava pensando coisas e queria, sempre, convencer o interlocutor de que aquilo que pensava era viável, exequível. Era intransigente e fiel à sua cosmovisão. Para alguns, um defeito; para outros, virtude. Não sei.
Recentemente, adotou um cachorro. Apaixonou-se pelo animal. Nomeou-o de Carli Lobo. Carli, um jogador do Botafogo; Lobo, seu próprio nome artístico. Me chamava de Romisson Seixas. Como retribuição, passei a chamar seu “amigo” de Carli Lobo Seixas.
Viajava e deixava o Carli comigo. Ligava todo os dias. Ás vezes, pedia para fazer chamada de vídeo para ver como ele estava. Me trazia presentes.
— Romisson Seixas, tô numa loja aqui em São Paulo, tem umas camisetas da seleção brasileira bem em conta. Vou levar uma pra ti. Prefere qual cor?
—Azul, GG – respondi.
—Vou levar também uma camiseta do Pink Floyd, qual o teu álbum preferido?
—Dark Side Of The Moon. Mas já tenho uma. Então poder ser do... The Division Bell. GG.
—Tá bom.
Trouxe as camisetas. Ainda as tenho e as guardarei com muito carinho. Na cabeça dele, isso era um pagamento pelo fato de eu estar cuidando do Carli. Eu fazia aquilo com muito carinho. E continuarei fazendo.
Obviamente, deixei lacunas nesta singela homenagem. Deixei de escrever muitas coisas. Não falei de suas características. Mas quais eram suas características? Afinal, era uma metamorfose ambulante. Isso diz muita coisa: Cledson, Dikin, Diko Lobo... Mas preservava o que para ele era inegociável: o amor pelo time do coração; o amor e a boa lembrança dos seus pais, o amor pelo rock.
Eu o levei ao hospital. E estava ansioso para ir buscá-lo. Não foi possível. Só penso e tento me apegar a ideia de que este campo telúrico ficou pequeno para ele. Ele queria ser grande. E era. Gigante. Intenso. Agora ele está do tamanho do universo e aprisionado aos nossos corações. Para sempre!
Vá em paz, Maluco Beleza!
Romisson Santos