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ARTIGOS

No tempo da mudança

No tempo da mudança

Estamos em um tempo futuro. Alguns sonhos foram embora e eu tive que me adaptar às circunstâncias. Reinventei os planos para não ficar parado no tempo e não cultivar alguma frustração para o resto da vida. Era uma preocupação pertinente.

Eu gostava das humanas, mas o destino me reservou ser engenheiro. Com vinte e poucos anos, ganhei uma bolsa de estudo e foi imperioso aceitá-la. Nunca tive sonho de grandeza, mas alimentava, dentro de mim, uma busca ávida por dignidade, em todas as acepções da palavra. Eu me formei e, atualmente, trabalho no serviço público federal. Tenho uma pequena fábrica de cerveja artesanal e escrevo sobre sustentabilidade, em um blog pessoal.

Ainda na tenra idade, o meu conceito equivocado de liberdade me fazia pensar que nunca me casaria – queria ser livre. Mas, sucumbi a uma paixão avassaladora. Casei-me com uma linda e inteligente mulher e tivemos um lindo casal de filhos. Somos apaixonados até hoje. Minha esposa é jornalista e trabalha para uma grande revista. Juntos, ganhamos mais do que o necessário para termos uma vida de conforto e tranquilidade.

De tudo o que planejamos – sim, porque depois que nos casamos, tudo passou a ser nós, e esse plural não é majestático –, só falta fazermos apenas algumas viagens internacionais. E a execução do projeto de um livro que sempre sonhamos escrever juntos, mas isso é coisa, quiçá, para depois da aposentadoria – que já está relativamente próxima, a depender da fugacidade do tempo.

Há alguns anos, deixamos o Nordeste e viemos para a Amazônia. Saímos de uma região onde o sol resseca a cacimba e enche de lágrimas os olhos do sertanejo, e viemos para um lugar onde o rio inunda a várzea e seca de angústia o coração do caboclo, como disse um amigo poeta que conheci por estas paragens. Aqui, estamos até hoje.

No decorrer dessa vida quase mercurial, vi-me pensando em como tudo se constituiu até aqui. Lembrei-me com regozijo de tudo de bom que aconteceu no mundo. Pensei em como superamos as adversidades e as aflições do nosso tempo. Do nosso, sim, porque acredito que somos cidadãos planetários.

Articulei uma narrativa e tentei seguir um enredo cronológico, a fim de desenvolver mais uma conversa, como de praxe, com os meus filhos, que já são adolescentes. Eles se interessam bastante por história e já procuram entender a formação humana, os meandros da vida e o seu real significado.

Contei-lhes sobre as guerras, sobre as catástrofes climáticas. São fatores que sempre mudam drasticamente o comportamento de uma sociedade e aceleram o seu processo de transformação. Contei-lhes sobre governos déspotas. Contei-lhes, também, sobre a seleção esplêndida do pentacampeonato mundial. Contei-lhes sobre a apoteose que houve quando se descobriu um remédio para a cura de uma doença letal e de fácil contágio que, infelizmente, ainda dizimou mais de duzentas mil pessoas, no mundo inteiro, nos idos anos 2020. Recordei-me do mundo inteiro de mãos dadas, nutrindo grandes esperanças na humanidade.

Avancei na reflexão. Desses acontecimentos até hoje, muitas coisas avançaram. Mas, nem tudo. A internet fracassou porque foi usada na lógica reversa de sua verdadeira proposição e, durante mais de dez anos, serviu como instrumento de manipulação da informação e da verdade. E, hoje, em razão desse infortúnio tecnológico, somente os governos têm todas as informações, sobre tudo e sobre todos. Como já ocorrera em outros tempos, antes dela. Foi, talvez, até hoje, um dos maiores retrocessos da minha geração. Novamente, algumas décadas depois, voltei a me preocupar com a famigerada liberdade. Mas, dessa vez, não somente com a minha.

Por outro lado, a ciência progrediu e passou a ser a prioridade de todos os países do mundo. Um montante orçamentário, que era usado para a promoção da indústria bélica, passou a ser destinado para um fundo global permanente, gerido pela comunidade científica e por organismos internacionais, em prol do bem comum. Nunca mais houve guerras nem pandemias. O conceito de PIB foi abolido e o padrão de desenvolvimento dos países passou a ser medido de acordo com o nível de felicidade de seus habitantes, a FIB – Felicidade Interna Bruta. E o Brasil está no topo desse índice.

A conversa foi longa e proveitosa. Meus filhos entenderam tudo e concluíram que estamos, ainda, no tempo da mudança. No tempo da solidariedade, da paz universal e do sonho de um mundo melhor no futuro de hoje.

Romisson Santos é professor e cronista.