Dona Esther veio no Sábado fazer uma faxina. Seis da manhã já estava na minha porta. Às dez, ofereci um café e uma cadeira.
— Na verdade eu sou “margarida” seu David, trabalho limpando rua. Até gosto, mas o salário tá atrasado um mês e meio. Tenho que cair na faxina.
—Trabalha pra prefeitura?
— Pra terceirizada. Eles tem contrato com a prefeitura, recebem e pagam a gente.
— E o patrão não paga?
— Paga quando recebe, né?
Está provado que é mais prático, barato e conveniente para órgãos públicos, contratarem empresas terceirizadas do que contratarem diretamente esses serviços. Haveria de ter concurso, gestão dos encargos, lidar com a estabilidade e tudo mais. Apenas na Saúde e na segurança, o estado ainda mantém essa prerrogativa. De resto é terceirizar.
Algumas empresas que oferecem serviços de terceirização ao Governo do Estado ou às prefeituras abarcam um contingente de até quinze mil funcionários. É um mundo de almas anônimas e de baixa renda que a gente se desapercebe. Mas quem é o patrão dessa gente? Na ponta do lápis são os donos e donas das empresas, mas o pagador é o órgão público. O responsável indireto por remunerar esse imenso contingente de trabalhadores são os contratantes do serviço. E é aí que vem a merda. A decisão de pagar, atrasar, não pagar, empurrar com a barriga ou decidir fazer o correto está na mão de um burocrata, com a arma mais poderosa do serviço público nas mãos: um carimbo.
Ocupando, normalmente, um cargo de confiança na administração, esses burocratas provisórios se ocupam, em sua maioria, em criar dificuldades para vender a facilidade. Ou dá ou desce. Ou pinga “uma ponta” ou o carimbo não sai da cartucheira. Enquanto isso, lá na ponta, falta o feijão na mesa da família de dona Esther. O “deles” tá garantido no final do mês.
Uma medição de trabalho a ser paga (considere que medir o quanto se varreu de rua ou vigiou-se um prédio é algo muito abstrato) essa etapa da burocracia, pode levar meses dependendo do pistoleiro de carimbo na cintura. Atualizar o contrato anual, a repactuação, que é de lei, pode levar mais de ano. As empresas são obrigadas a pagar seus colaboradores valores corrigidos, enquanto o poder público segura a grana, Beira o surreal. Há notícias que em alguns casos os secretários e secretárias das pastas, cuidam pessoalmente desses duelos “acarimbados”
Muitos Empresários são, na verdade, malabaristas. Sobrevivem entre a pressão da corrupção nos órgãos públicos e a constatação e clamor dos que prestam serviços às suas empresas. A sobrevivência de milhares de servidores depende desse “faroeste” burocrático.
Após nosso almoço, paguei a diária de dona Esther em dinheiro vivo.
David Sento-Sé é publicitário por mais de 40 anos. É diretor de teatro, cinema e televisão.
Atua com sucesso no Marketing Político. Deu aulas de Comunicação em universidades. Ministra cursos, palestras e pós graduações.
David também é escritor, cronista, poeta, músico e artista plástico.
Seu maior orgulho é a sua culinária.
É do signo de Peixes, o que não tem a menor importância.