Mario Vargas Llosa, ao falar sobre a civilização do espetáculo, tece críticas à superficialidade cultural e intelectual da sociedade contemporânea, onde o entretenimento e o trivial se sobrepõem à alta cultura e ao pensamento crítico.
O Brasil, há muito tempo, parece ter chegado a esse ponto (talvez até passado dele), especialmente quando se trata de decisões judiciais.
A prisão preventiva de Jair Bolsonaro é exemplo disso. Não pelo caso em si, mas pela reação pública.
Pouco importou que a decisão tenha se baseado em fatos concretos: sucessivos descumprimentos de medidas cautelares, danos à própria tornozeleira eletrônica.
Pouco importou que a representação tenha partido da Polícia Federal, que a Procuradoria-Geral da República tenha emitido parecer favorável, e que diversos juristas, como Aury Lopes Jr., voz respeitada no processo penal, tenham reconhecido a correção jurídica da medida.
Nada disso ganhou espaço no debate.
A narrativa dominante preferiu atribuir a prisão a uma suposta retaliação por “marcarem uma vigília”. A complexidade jurídica foi reduzida a um meme. O direito processual, a técnica, os fatos: todos substituídos por slogans (e bem replicados nas redes sociais).
Este artigo não toma posição político-partidária. Apenas constata um fenômeno: vivemos uma época em que grande parte da sociedade não se dispõe a compreender o mérito das decisões públicas.
Já não importa o que aconteceu, mas o que se deseja acreditar. A verdade perde terreno para a versão, e a análise cede lugar à gritaria.
É a era da pós-verdade, em que decisões judiciais deixam de ser avaliadas pelo seu fundamento e passam a ser julgadas a partir da identidade de quem as pratica ou de quem as sofre.
Nessa lógica, não há espaço para nuances, garantias, ou para o simples exercício de tentar entender o que a lei realmente exige.
A consequência é preocupante. Quando o debate público despreza os fatos e ignora a técnica, não é apenas a razão que se perde: é a própria capacidade de convivência democrática.
Porque, no fim das contas, uma sociedade que não consegue discutir o mérito de suas decisões está condenada a repetir seus erros, sempre guiada pelo ruído, nunca pela compreensão.
Talvez a reflexão necessária seja justamente essa: se continuarmos preferindo as versões aos fatos, os gritos aos argumentos e as narrativas às evidências, não haverá decisão judicial (correta ou não) que sobreviva ao tribunal da pós-verdade.
E um país que não respeita a verdade não consegue respeitar nem a si mesmo.
Thalles Sales é advogado, especialista em Direito Público e Direito Eleitoral.
