..::data e hora::.. 00:00:00
gif banner de site 2565x200px

ARTIGOS

Reversão DEPASA/SAERB: "O hidrômetro voltará ao banco dos réus"

Reversão DEPASA/SAERB: "O hidrômetro voltará ao banco dos réus"

Estamos na década de 80, por volta de 1984. O governador da época, Nabor Junior (MDB), lidera uma série de investimentos em saneamento básico e inicia a instalação de um estranho aparelho na frente das residências dos acreanos. Eram os hidrômetros.

A população, daquele momento em diante, teria que pagar pela água com base no volume efetivamente consumido.Os desperdícios passariam a doer nos bolsos dos consumidores.

Com a iniciativa pioneira, ou seja, cobrar pela água, a popularidade do então governador, que sempre foi alta, começou a oscilar para baixo. O hidrômetro, convertido em inimigo número 1 dos acreanos, passou a ser julgado agressivamente, sem defesa, em praça pública. "Não pago, não pago e não pago", diziam os mais rebeldes diante da novidade.

Preocupado com as críticas, o governador mandou veicular na TV uma campanha publicitária, que era uma espécie de julgamento do aparelhinho que tornaria justo o consumo de água no Acre, até então, faturado por média.

Marcado o julgamento na televisão, o juiz da causa interrogou o acusado:

Dizia o juiz:

  • Você está sendo acusado de cobrar pela água, que é uma dádiva da natureza. O que você tem a dizer em sua defesa?

E o hidrõmetro respondeu, abrindo e fechando a boca, melhor a tampa, ao mesmo tempo em que abria uma pasta cheia de notas fiscais de despesas e investimentos necessários para "limpar" a água do Rio Acre:

  • Eu não cobro pela água, cobro pelo trabalho que dá levar a água até as casas das pessoas.

Silêncio sepulcral!

Em seguida, o juiz, após refletir por alguns segundos, sentenciou: "Absolvo sumariamente o acusado".

Amenizada a tensão da peleja, os hidrômetros foram então instalados pela Sanacre. Surgia ali a primeira campanha focada no consumo consciente da água tratada fornecida pela SANACRE. Sim, sim, consumo consciente, ao menos tecnicamente.

Passados alguns anos, em meio a uma promessa de campanha de um então candidato a prefeito da capital, criou-se o SAERB, Serviço de Água e Esgoto de Rio Branco. Daí em diante, o serviço de água e esgoto da cidade passou a ser prestado por uma autarquia municipal. Uma revolução ocorreria. Só que não!

Os hidrômetros do Nabor Junior, já substituídos, ainda estavam lá, mas o sonho de sustentabilidade econômica do sistema ainda estava longe, muito longe, de ser verdade.

O SAERB, como prestador do referido serviço, durou até 2012, momento em que o referido encargo foi então transferido para o DEPASA, talvez para facilitar o acesso aos recursos do PAC/Saneamento, aqui chamados de Ruas do Povo.

Ao longo dos seus 15 anos de existência, o SAERB acumulou um paiol imenso de dividas, que vão de despesas com energia elétrica, passando por dividas trabalhistas, tributárias e até obrigações com fornecedores de insumos essenciais.

No campo dos créditos a receber, ficaram mais de R$ 80 milhões relacionados às inadimplências das tarifas de água, todo o montante já praticamente prescrito ou em vias de prescrição no curto prazo.

O tempo passou, as águas seguiram rolando, veio a eleição municipal do ano passado e Tião Bocalom, em meio às constantes crises de abastecimento e os argumentos de captação de votos, inventa de prometer o inexequível. O SAERB, absolutamente incapaz de responder satisfatoriamente pela demanda, voltaria a assumir o encargo caso o mesmo viesse a ser eleito.

Paralelo ao descer das águas, em 2017, ainda na gestão de Tião Viana, o DEPASA iniciou tratativas junto ao BNDES visando a desestatização do órgao.

Prometendo R$ 1,4 bilhões de investimento, o DEPASA seria desestatizado. As tratativas avançaram e anúncios foram feitos pelo BNDES em início de 2020, indicando a expectativa de que o leilão ocorreria em meados de 2021.

Água vai, água vem, Bocalom é eleito e já nas primeiras entrevistas reafirma o ânimo de efetivar a reversão. Ato contínuo, o BNDES, ao ouvir a conversa, suspende as tratativas que visavam a desestatização do Depasa argumentando que com Rio Branco fora o negócio o mesmo já não compensaria, eis que, restando ao DEPASA apenas o interior do estado, seria inviável economicamente a iniciativa de desestatização até então em curso.

Bocalom assume então a prefeitura, instala uma comissão de acompanhamento e dá início aos procedimentos admistrativos que, supostamente, culminariam com distrato do Contrato de Programa firmado entre SAERB e DEPASA em 2012.

Passados alguns poucos meses, de estampilho, sem aviso, nem mesmo aos sindicalistas (por reflexo, os próprios servidores da autarquia), e sem que conhecessem a real dimensão do problema, na última sexta-feira, a sociedade foi surpreendida com uma solenidade de assinatura do que seria o pré-contrato da reversão - vamos chamar assim, até pq a sociedade ainda não conhece o teor, já que optaram por atirar primeiro e perguntar depois, eis que nenhuma mísera audiência pública foi realizada no foco da reversão.

Diante de tais fatos, diante da escandalosa incapacidade econômica do SAERB de arcar com os custos mensais do sistema, Gladson Cameli declarou que o governo ofertará "ajudinhas" caso ocorra o que já se sabe, que é a mais que evidente incapacidade de autossuficiência do ente municipal frente as demandas de água e esgoto da capital.

E é exatamente neste ponto que gostaríamos de entender. O que fizeram, ou melhor, o que pretendem?

A dúvida reside exatamente na natureza jurídica da tal "ajudinha" em ambiente de distrato do atual Contrato de Programa DEPASA/SAERB, já que, uma vez desfeito, não poderá este ser refeito à luz do que dispõe o art. 10, da Lei do Novo Marco do Saneamento, que também veda a celebração de convênios, termos de parcerias e outros instrumentos administrativos no foco do que seria, digamos, a tal "ajudinha" mencionada por Gladson.

O mais grave, e isso foi omitido, é que, uma vez realizado o distrato do Contrato de Programa e efetivada a reversão, não terá mais possibilidade jurídica de volta. Ou seja, se não der certo - e não dará certo - novo contrato entre Depasa e Saerb não será mais possível, eis que a referida legislação o veda expressamente.

De outra banda, estou aqui a me perguntar de onde virão os recursos necessários para os investimentos no Saerb.

Se pensam que virá do BNDES, que é de onde pode vir concreta e objetivamente falando, já podem ir retirando o pobre cavalinho da chuva.

O BNDES, por óbvio ululante, escandaloso e saltitante, neste campo, financia empreendimentos sanitários com foco no espírito da Lei do Saneamento, bem como os termos que lá constam. Com todo respeito, não teria como ser diferente?

Por fim, deixo aqui o que irá ocorrer fatalmente, destacado entre aspas para que lembrem:

"Sem nenhuma chance de adquirir sustentabilidade econômica e financeira para tocar o sistema, impossibilitado juridicamente de receber ajuda do estado e sem poder voltar atrás, o SAEB será fatalmente (100% de chance) desestatizado.

Após a desestatização, o hidrômetro retornará ao banco dos réus.

Edinei Muniz é advogado e professor