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ARTIGOS

Transporte Público: reconstruindo (quase) do zero

Transporte Público: reconstruindo (quase) do zero

O serviço de ônibus de Rio Branco precisa melhorar muito ainda para ser classificado como ruim. Isso já vem de muito tempo e com as restrições da pandemia a deterioração foi fatal.

Se antes os grandes problemas eram o cartel administrado pelo sindicato das operadoras, que não permitia a fiscalização necessária pela RBTrans, e o descontrole tarifário, que viabilizou o uso de outros modos de transporte, gerando congestionamento e queda na eficiência do coletivo, a partir de abril de 2020 a redução brutal na demanda de passageiros, e também na oferta de viagens, literalmente quebrou as empresas, mesmo com alguns aportes subsidiados pelo município.

Vale aqui a pausa para uma conta daquelas que a gente faz em papel de embrulhar pão*:

O sistema de ônibus de Rio Branco transportou nos últimos anos aproximadamente 2 milhões de passageiros mensalmente e isso deveria gerar uma arrecadação de R$ 7 milhões na tarifa atual (ou R$ 8 milhões com a de R$ 4,00 que vigorava anteriormente).

Quando a quantidade de passageiros diminui, certamente as empresas reduzem o serviço prestado, mas isso não necessariamente diminui os gastos de operação na mesma proporção e não há dinheiro público que chegue para compensar o rombo.

E foi o que caiu de bandeja no colo do prefeito, quando assumiu o mandato no início do ano passado. Se pretendesse manter o funcionamento do sistema com a mesma quantidade de linhas, veículos e viagens para a média de passageiros que caiu para 500 mil por mês, teria que tirar do orçamento municipal algo em torno de R$ 60 milhões por ano.

Fui agora a uma apresentação dos estudos que sua equipe desenvolveu para, finalmente, por ordem na bagunça cuidadosamente formada durante décadas de improvisos e barrigadas. Eu já tinha ouvido do próprio Bocalom, faz dois meses, seu diagnóstico dos problemas, as providências que estava realizando e também algumas modificações no modelo de contratação que pretende adotar, quando fiquei bastante otimista.

Na Audiência Pública de agora os técnicos formalizaram a receita do bolo: por um lado, dotar a RBTrans de mecanismos eficientes para gerir o sistema de linhas e fiscalizar a operação; por outro, fazer uma concorrência para contratar o serviço com remuneração por serviço efetivamente realizado (quilometragem percorrida) e não mais por passageiros transportados.

Assim, as empresas que vierem operar em Rio Branco não se sentirão mais donas das linhas como sempre ocorreu.

Também fica muito mais simples para a RBTrans realizar ajustes no serviço prestado, adequando às mudanças na necessidade dos passageiros.

Por fim, as modificações, que espero venham por aí, desoneram a tarifa de diversos custos que paulatinamente foram transferidos aos passageiros, como a manutenção dos terminais, os serviços de bilhetagem, o S.A.U.D. e itens para o funcionamento da RBTrans.

Oxalá meu otimismo se confirme logo e as pessoas voltem a confiar e utilizar os ônibus ao invés dos carros e motos que a cada dia deixam a cidade mais congestionada e o trânsito mais tenso. É um processo lento e demanda outras ações do poder público e também da comunidade.

Ainda é necessário encontrar mecanismos de financiamento e subsídio do transporte público como ocorre nos países onde andar de ônibus é a regra. É importante também encontrar formas para distribuir melhor os passageiros dos períodos de pico para os de menor fluxo de passageiros, seja por incentivos como desconto no preço da passagem, por exemplo, ou por negociação com o empresariado e gestores públicos alterando o horário de funcionamento de atividades.

Cidades onde o ônibus funciona bem tem menos congestionamento, menos poluição sonora e do ar e menor gasto das pessoas com os deslocamentos do dia a dia.

Também reduz a necessidade de alargamento das vias, construção de viadutos e áreas para estacionamento nas regiões que concentram comércios e serviços, sobrando dinheiro para outras ações importantes ou até para a redução dos impostos (olha eu aqui sonhando…).

Roberto Feres. Mestre em Engenharia Urbana, foi interventor na operadora de transporte coletivo em 1985 e costuma ser crítico e pessimista quando o assunto é reorganizar o serviço de ônibus urbanos em Rio Branco.

(*) O método é documentado na literatura matemática como B.O.T.E.C. Back-of-the-envelope calculation. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Back-of-the-envelope_calculation.