O saudoso ex-deputado Jader Machado era um homem honrado e trabalhador. Um pai de família exemplar. Educado, generoso e de sólidos princípios cristãos, entrou para a política nos idos dos anos 70 e nela permaneceu pouquíssimo tempo. Se não foi um parlamentar brilhante, caracterizou-se pela defesa do Vale do Juruá e de sua gente. Era pastor e, por acreditar que o homem deveria imitar a Cristo, popularizou-se também pela bondade.
Ele e a mulher dedicavam-se aos filhos. Os meninos podiam fazer as travessuras peculiares à idade como seviciar animais de pequeno e médio porte, tomar banho nos rios e igarapés, rodar pião, caçar com estilingue, soltar pipas e principalmente jogar bola. No entanto, todos eram obrigados a estudar, pois vislumbravam naqueles impúberes homens respeitadores, honestos e trabalhadores.
As meninas, por sua vez, não tinham moleza. Desde cedo, eram ensinadas a ser prendadas. Sabiam cozinhar, lavar e engomar. Aprendiam com as mais velhas a costurar e bordar. Eram preparadas para serem boas esposas. Suas fardas eram saias plissadas que ultrapassavam os joelhos, blusas de mangas compridas e meias três-quarto. Todas estudavam no tradicionalíssimo Instituto Santa Terezinha. Namoro? Só aos 18 anos e olhe lá.
Naquela mesma época, os acreanos sofreram um grande revés por da causa desativação dos seringais. O povo juruaense, que tanto dependia da economia gomífera, precisou se adaptar às novas atividades econômicas como a agricultura, a pecuária, a extração de madeira e a pesca. Muitas famílias migraram para a cidade à procura de dias melhores.
E foi em uma dessas levas que chegou o moçoilo Vagner Sales. Ele sempre se orgulhou de dizer que tinha o umbigo enterrado nas “barrancas do Juruá”. Na mala, muito mais esperança do que pertences. Estudou pouco, trabalhou muito. A sua família não era remediada como a do nosso personagem que descreverei à frente.
Vagner tinha bons hábitos e chegou a ser escoteiro. Conseguiu um emprego no serviço púbico, que, se não lhe rendia uma boa renda, pelos menos lhe dava status. Mas apareceu um infortúnio: a namorada dele engravidou. Sales ficou aflito não pela gravidez e o casamento prematuro, mas pela pequena renda que auferia.
Para piorar a situação, o pai de Vagner não o apoiou naquele difícil momento. Mas a fama de bom moço já o precedia. Jader Machado o acolheu em sua casa como a um filho. A numerosa família Machado aumentou com o advento daquelas três pessoas.
Mas o ‘Leão’ estava apenas ferido. Além de amigo, Machado também foi seu mentor político. Vagner não se fez de rogado e correspondeu. Foi o vereador mais votado nas eleições de 1982 e, quatro anos depois, já era deputado estadual. Vagner nunca, mas nunca foi ingrato para com aqueles. Ao contrário, sempre foi um amigo da família, a quem chamava de pais e irmãos.
A morte prematura de Jader Machado, no entanto, foi um choque para a família. Todos sentiram, mas o Jader Machado Filho, o Jadinho, que ficou mais conhecido pela corruptela “Jadinha”, sentiu muito mais. Era o caçula e estava na flor da idade. Herdara muitas características do pai, principalmente o gosto pela política. Foi um vereador atuante, mas passou a adotar posturas excessivamente críticas e polêmicas.
Integrava o PMDB de então governador Flaviano Melo, dos senadores Nabor Júnior e Aluísio Bezerra e do deputado Vagner Sales. Não sei por que cargas d’água se tornou desafeto deste último. A família nunca entendeu os reais motivos do ódio que Jadinha nutria pelo irmão de consideração. Ele dizia que o deputado pautava suas ações no “LIMPE”, deixando a entender que não se tratava do acrônimo dos cinco princípios constitucionais (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência). Ao contrário, com um sorriso maroto, Jadinha colocava o dedo polegar no centro de sua mão, girando-o no sentido horário, e depois fechava a mão recolhendo-a em direção de seu corpo.
Sales passou a revidar as ofensas do correligionário. Chamava-o de desordeiro, fanfarão, farrista, entre outros impropérios nada publicáveis. Passaram-se todos esses anos e jamais houve um armistício entre os dois.
Certa vez, já no segundo mandado do prefeito Sales, no momento em que a cidade estava infestada por cachorros, Jadinha, provavelmente atendendo a um pedido de sua mulher, Afra, passou a cuidar de uma cadela que havia parido e estava alojada no estacionamento da Câmara Municipal.
Levou agasalhos e alimentos. Porém, num súbito instinto de defender as crias, a cachorra mordeu o nosso herói. Daquele singelo e anônimo ato humanitário, Jadinha, movido por fúria incontrolável, passou a desferir impropérios ao prefeito, culpando-o por levar aquela mordida. “Aquele prefeito fdp deveria recolher esses cachorros das ruas”, desabafou Jadinha, que jamais perderia a oportunidade de sacanear o seu desafeto.
Um assessor-cabo-eleitoral de Vagner, ao presenciar aquela pitoresca cena, correu para contar o episódio: “Prefeito, o Jadinha acabou de ser mordido por uma cachorra!” O alcaide nem titubeou: “E como ela está?”.