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A visão na janela - Com André Fabris

A morte do Papa Francisco encolheu as àrvores

A morte do Papa Francisco encolheu as àrvores

O frio da manhã me acolhe na sacada. É um frio amigo, que chega junto com o cheiro de pão e café do vizinho – uma intimidade que não conheço, mas sinto no ar. Respiro fundo, o dia ainda por se decidir.

O céu, um azul quase dolorido de tão limpo, mal disfarça aquele véu esbranquiçado, a poeira da cidade suspensa. Lá embaixo, as árvores altas, de sempre, conversam com os prédios que insistem em crescer. E então, ele: um pássaro branco, selvagem, pescoço longo feito um cisne improvável, pousa na quina dura de um prédio baixo. Hesito. Por que o concreto, e não a árvore logo ali? A pergunta paira, sem resposta.

Ouço um sabiá. Depois, outro. Cada um com seu canto, sua assinatura sonora na manhã. Notas que sobem, flutuam, tentam bordar o silêncio. Mas a cidade já liga seus motores, e o ruído cresce, engolindo a melodia. Uma disputa desigual, antiga.

É quando meus dedos, quase por vontade própria, buscam a tela fria do celular. E ali, entre as manchetes do dia, a notícia: Papa Francisco partiu. Um silêncio súbito desce sobre mim, mais denso que o da madrugada. Um silêncio que parece alcançar as árvores, encolhê-las um pouco, como se a própria terra sentisse o golpe.

A ausência dói. E na quietude, procuro o que fica. O que ele nos deixou. Imediatamente, a Encíclica Laudato Si’. A carta escrita pelo Papa Francisco em 2015 sobre esta nossa casa, esta terra que é tanto nossa quanto do pássaro pousado no prédio.

E é ali, na paisagem da janela, que a ecologia integral de que Francisco falava me atinge. Não como conceito, mas como verdade sentida. O pássaro no concreto, o canto que luta contra o ruído, o verde espremido pelo cinza. Tudo doentiamente ligado, na beleza teimosa e na ferida aberta. A Encíclica Laudato Si' como um espelho desta cena. Um apelo contra o nosso jeito de descartar a vida, de esquecer o valor de cada ser – o voo do pássaro, a força da árvore, a melodia única do sabiá. Um chamado a cuidar.

A manhã avança, indiferente. Mas meu olhar mudou. O céu velado, o pássaro no pouso estranho, o canto que insiste – tudo agora me encara de volta. A paisagem já não é só paisagem. Tornou-se espelho. E tarefa. Um peso silencioso que a manhã me entrega, sem pedir licença.