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A visão na janela - Com André Fabris

As formigas que enganei

As formigas que enganei

Enquanto lia as notícias antes de ir trabalhar, entre o som suave dos pássaros e o aroma das flores silvestres que entravam pela janela, a fria tela do tablet revelou uma notícia alarmante: a ONU atualizava suas previsões sobre o aquecimento global.

A nova estimativa era um prenúncio de catástrofe, um espectro a pairar sobre o futuro: 3,1 a 3,6 graus Celsius de elevação até 2100, contados desde os albores da era industrial.

Lembrei-me, então, da fragilidade da vida humana nesta Mãe Terra, que se esvai como orvalho ao sol com o aumento de meros 3 graus Celsius. A sombra da finitude, vislumbrada tempos antes em alguma notícia sobre o fim da vida humana em 2050, agora se avizinhava, trazendo consigo um frio presságio.

Um peso de chumbo se instalou em meu peito: a frustração, o desânimo, a sombra da inevitabilidade.

Essa notícia trouxe à tona uma memória antiga: o pátio da casa dos meus pais, onde a terra úmida acariciava meus pés descalços e a horta exigia nossa proteção. As formigas-cortadeiras avançavam incessantemente entre os canteiros, com sua disciplina operária, como um exército em marcha sob um sol impiedoso.

O cheiro da terra úmida se misturava ao aroma doce das goiabas maduras. O calor do sol acalentava minha pele enquanto eu observava as formigas trabalharem meticulosamente. Proteger a horta, no entanto, exigia uma ação dura.

Com a mão trêmula, qual Hamlet diante do veneno, preparei a armadilha. Grão por grão, depositei-o junto à trilha, observando as pequenas operárias em seu labor incessante coletarem e levarem o veneno para o formigueiro, sua morada noturna.

Cada gesto era um fardo, um sacrifício — a própria guerra contra a natureza. As formigas, alheias ao destino que as aguardava, carregavam a morte. E eu, em minha ignorância, achava que enganava apenas as formigas.

A noite caiu sobre mim como um manto de luto, o silêncio opressivo cortado apenas pelo brilho indiferente das estrelas. Em meu íntimo, a tragédia se desenrolava: o veneno, insidioso, liberava seu hálito mortífero, espalhando-se como uma pestilência invisível. A morte, fantasma implacável, tomava conta do formigueiro, outrora palpitante de vida e labor. E eu, náufrago em um mar de culpa, era atormentado por visões de sofrimento e caos, imagens que se escravizavam à minha mente como um pesadelo sem fim.

Na escuridão do formigueiro, guiadas por um instinto cego, as formigas encontraram seu fim. A metáfora, cruel e inevitável, perdurava na quietude da noite: cada pequeno ato gera ondas imensas, consequências que se propagam no escuro, invisíveis até o momento final.

"Se não esperarmos o inesperado, podemos perder tudo", disse um dia desses Heráclito de Éfeso. Por que, então, não consideramos sequer o esperado?

Um arrepio de tremer o corpo inteiro percorreu minha espinha, um frio augúrio da morte. Desliguei o tablet, afastando a notícia e o abismo que ela revelava.

E fui trabalhar, como uma formiga, carregando o peso do mundo nas costas.