Do mezanino do meu pequeno apartamento, pelos vidros da porta que dá à sacadinha, observo a rua em sua quietude e movimento. Aqui, entre paredes que guardam memórias, sinto-me no terraço da mente de Pessoa, onde o pensamento parece fluir livre, sem as amarras do coração. Prometi a mim mesmo que não escreveria mais crônicas além daquelas do projeto de "A Divina Comédia", mas como resistir ao chamado de compartilhar a poesia que se entrelaça com a filosofia, que me faz deleitar com o pensamento alheio?
Isto (de Fernando Pessoa)
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
Neste mezanino, meu próprio terraço, as palavras de Pessoa ressoam, revelando que sentimentos e pensamentos, embora distintos, estão imbricados. O terraço é onde a mente se expande, mas o que é verdadeiramente belo, abaixo da superfície de nossas mentes escapa.
E assim, enquanto penso em Pessoa, ecoam em mim o mundo da representação e da vontade de Schopenhauer, a vontade de potência e a consciência de Nietzsche, o inconsciente e o ego de Freud. Não explicarei essas relações: deixo-as para você, caso queira sentir e explorar, tentando, eu, repetir o comportamento de Pessoa no final de seu poema "Isto", mas fracassando em dar ênfase.
André Fabris - Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.