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A visão na janela - Com André Fabris

Nosso Nevoeiro

Nosso Nevoeiro

As águas subiram, como se quisessem tocar o céu cinzento que as despejou sobre nós. O Rio Grande do Sul, meu menor e mais importante universo, viu-se submerso não só pela força das águas, mas também pela névoa de um futuro que se tornou incerto, um espelho do nevoeiro que Pessoa eternizou em versos.

NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder

Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a hora!

Nesse poema, Pessoa fala de um Portugal perdido, sem liderança, sem clareza, envolto em um nevoeiro de incerteza. E aqui, nas terras gaúchas, sentimos no coração essas palavras. "Nem rei nem lei" - a ausência de uma presença governamental que nos guie através desta calamidade, a falta de uma ordem que nos ajude a encontrar o caminho de volta para casa.

Mas o povo não se deixa abater. Os gaúchos se levantaram desde o primeiro dia dessa calamidade, se tornando, em coletivo, o próprio rei e a própria lei, definindo a resiliência de um povo que não se deixa definir pela tristeza de um fulgor baço da terra. O resto do país imediatamente ofereceu socorro.

A crise, fogo-fátuo, revela desejos e almas antes desconhecidos. Será que alguém realmente sabia que coisa queria, até querer a sobrevivência do próximo? Alguém conhecia que alma tinha, até mostrar a solidariedade que agora transborda dos corações e se espalha pelas mãos que trabalham juntas?

E agora, neste momento de reconstrução, quando tudo parece incerto e derradeiro, quando tudo é disperso e nada é inteiro, devemos ouvir o chamado de Pessoa: "É a hora!" Sim, é a hora de reconstruir, de recuperar, de renovar. Sobretudo, é a hora de transformar o nevoeiro em um sinal de um novo começo, onde a solidariedade se torna o alicerce de um Estado mais forte e unido.

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