Cresci num canto de Porto Alegre que nunca parava, entre o ronco dos ônibus e o incessante vaivém das avenidas. Era na Zona Norte, bem em frente a um terminal de ônibus, onde duas grandes avenidas ainda se cruzam.
Mas a aquisição de um sítio em Taquara, pelos meus pais, mudou tudo. Passávamos um dia do final de semana na casa de pedras e argila, que meus pais ampliaram, mantendo a arquitetura original com novas pedras de grés. Os finais de semana viraram um refúgio da cidade.
O sítio era pura magia para a criança que fui. De dia, a gente corria solto pelos campos, brincando, enquanto o canto dos pássaros preenchia o ar. À noite, os vagalumes, como pequenos Sócrates luminosos, acendiam suas ideias na escuridão. Meu irmão e eu, quase alquimistas em busca da pedra filosofal,
capturávamos alguns desses insetos brilhantes e os guardávamos em um pote de maionese – daqueles de vidro, claro, para melhor propagação da luz. Tínhamos, assim, uma luminária ecológica "avant la lettre", que, além de iluminar o quarto, proporcionava um espetáculo de luzes.
Os barulhos noturnos assustavam meus pais. Rangidos, estalos, e ruídos que a escuridão vestia de mistério. Meu pai, então, ia à janela, armado de suas bombinhas. Pequenos cilindros de papel, com um pavio curto e pólvora dentro, que estouravam como um tiro de revólver.
Eram artefatos pirotécnicos, comprados na loja de caça e pesca, e meu pai os disparava na noite, espantando os ladrões imaginários. Ladrões que, na verdade, nunca passaram de animais da mata, com seus movimentos furtivos e inquietos. Mas quem poderia dizer?
O riacho, com seu murmúrio constante, desaguava em um açude. Lá, meu irmão e eu passávamos horas brincando e pescando lambaris, que nossa mãe depois fritava.
O sítio era o meu contraponto à agitação da cidade. Se a urbe me trazia o frenesi, o campo me oferecia a quietude. Correr pelos prados, sentir o cheiro da terra úmida, respirar a brisa fresca – era nesse refúgio natural que a minha alma encontrava a serenidade.
Mas os bugios emudeceram, os vagalumes se apagaram, os girinos desapareceram e o canto das aves silvestres se calou. O sítio e o mundo, outrora santuários naturais, agora residem em estrondos mudos. Essa ausência me entristece, me faz pensar nas mudanças do mundo e sentir a fragilidade da natureza. Acho que nós, pessoas, fomos tão longe que esquecemos de muita coisa.
Nesta sociedade obcecada por posses, em que o valor se mede pelo acúmulo de bens, a verdadeira vida me escapa. Mesmo quando me esforço por contemplar o mundo com atenção plena, a lógica materialista me distancia da beleza das sensações. É como se vivêssemos em um museu de coisas, rodeados de objetos inertes, mas afastados da verdadeira vida.
Talvez o essencial seja saber ver, saber ver sem pensar, saber ver quando se vê. Quem sabe, ao contemplarmos o mundo com olhos despidos de ilusões, despertemos a memória adormecida daquilo que um dia tivemos e agora nos faz falta?
Quem sabe...
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