Há mais de ano, toda vez que olho pela janela do apartamento, a primeira coisa que vejo é uma pequena árvore simétrica na calçada ao lado da rua. Agora, em meados de setembro, ela está sem folhas e sem as lindas pequenas flores brancas que cobrem toda sua copa em parte do ano. Parece abatida pelas enchentes que atingiram o Estado e pelas queimadas que têm colocado o país em chamas. Talvez ela tenha mais alma que as demais árvores da rua e que muitos dos transeuntes.
Estou sentado em uma simples e pequena mesa de madeira, na calçada, área externa da padaria do bairro. Daqui, posso observar a árvore e muitas pessoas ao meu redor.
Dentro da padaria, as expressões de muitos são de apatia. Movem-se lentamente, os olhos vazios, sorrisos que exigem muito esforço, os ombros caídos. Em torno de uma mesa, dois homens discutem. As vozes são elevadas, os gestos agressivos. Ninguém intervém.
Vejo todas essas pessoas movendo os membros como autômatos sem vida real, apenas cumprindo rotinas sem propósito, então vejo os dois homens discutindo com ódio em seus olhos, e continuam discutindo, suas vozes se elevam, mas as palavras são vagas e sem objeto, apenas expressões de raiva e frustração, "você não entende nada, sempre foi assim", "eu não vou aceitar isso, nunca vou aceitar", e ninguém intervém ou parece se importar, o que me deixa ainda mais perplexo, ainda mais cansado, e desejo sair dali, pegar a arvorezinha e ir para longe disso.
Subitamente, sou tomado por um cansaço emocional. Imagino-me pegando a arvorezinha e caminhando para um lugar calmo, arborizado, onde a brisa suave acaricia as folhas e o canto dos pássaros preenche o ar. Imagino-me sentado à sombra da arvorezinha, que só tem tamanho para fazer sombra para mim. Imagino o sol se pondo sem pressa, atrás de outras árvores, porque há algo no horizonte além de sua linha.
Minha mente volta à mesinha da padaria. Não teria forças para fazer essa mudança, é claro que não. É provável que, como os outros, eu esteja preso na mesma letargia e frustração.
Enquanto isso, a pequena árvore continua ali, sem folhas. E sem poder sair do lugar.
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