Meus caros leitores, peço licença pela ousadia de acreditar que os tenho. A parte dois da reflexão sobre a Ferrovia fica para a próxima semana. Hoje, preciso falar de algo que não aparece nas manchetes, mas que sustenta silenciosamente cada colheita que chega à mesa dos brasileiros: a assistência técnica. Sem ela, nenhum projeto de desenvolvimento se ergue de verdade.
Nesta semana vivi dois momentos que me fizeram refletir. O primeiro foi a Conferência Temática sobre Assistência Técnica e Extensão Rural, em Brasília, onde debatemos a construção do “SUS da ATER” — um sistema público que proteja, valorize e organize o cuidado com quem cuida da terra. O segundo foi a confraternização pelos 50 anos da Emater/Acre — um encontro simples, simbólico e carregado de afeto.
O debate em Brasília foi racional, necessário, estratégico. Falamos de produtividade, de financiamento para a ATER, de crédito, de soberania, de futuro. Mas foi na celebração da Emater que meu coração apertou. Meu pai foi extensionista — ou capa-gato, como os mais velhos se chamam no Acre — e, ao ver aquelas pessoas, seus amigos e amigas celebrando a instituição, reencontrei pedaços dele que me fizeram, mais uma vez, sorrir.
As lembranças que tenho do meu pai são poucas; quando o perdi, eu tinha apenas nove anos. São quase flashes de um tempo que a memória não alcança totalmente. Em relação à Emater, lembro sempre do barulho do Gurgelzinho estacionado na frente de casa, pronto para mais uma viagem ao interior, e dos longos dias de ausência, porque ele estava na estrada. As lembranças completas vieram depois, pelos amigos e companheiros de trabalho que guardam suas histórias como quem preserva sementes. São histórias boas — de trabalho, de risadas, de companheirismo — mas nem tudo foram flores. Houve também a demissão injusta, fruto da perseguição política, por ajudar a organizar os trabalhadores da Emater.
Carrego comigo o legado que ele deixou: a certeza de que trabalhadores merecem respeito, dignidade e reconhecimento. E a convicção de que trabalhos como o dos extensionistas — muitas vezes invisíveis — são a espinha dorsal do desenvolvimento.
Hoje, à frente do Ministério do Desenvolvimento Agrário, não consigo separar essa missão da história que me antecede. Tenho absoluta convicção de que não existe desenvolvimento econômico — nem no Brasil, muito menos no meu Acre — sem uma assistência técnica pública forte, presente, amparada e valorizada.
Investir em ATER não rende fotos vistosas, nem votos, tampouco medalhas políticas. Mas rende o que realmente transforma vidas: produtividade por área, acesso ao crédito, superação das dificuldades da produção, renda digna no campo e comida de verdade na mesa das famílias. Assistência técnica é isso: a força invisível que faz a produção crescer.
Reconheço o papel dos escritórios privados que ajudam a fazer o crédito circular no Acre. Mas, como me disse um velho amigo do meu pai, a Emater é “sacerdócio” — uma entrega profunda, quase espiritual, que leva o extensionista a atravessar lama, varar ramais intermináveis, escutar cada família e acreditar que seu conselho muda não apenas a vida de um produtor, mas a economia inteira de um estado.
Parabenizo a Emater pelos seus 50 anos e reafirmo: o desenvolvimento do Acre e do Brasil passa, de forma irrevogável, pelas mãos dos companheiros e companheiras que fazem assistência técnica nos quatro cantos deste país. São eles que iniciam, com gestos simples e silenciosos, as grandes transformações.
Em homenagem a todos os extensionistas do Brasil — e, em especial, ao meu pai, Antônio Cesário Braga, “capa-gato”, que, se estivesse vivo, completaria 69 anos no dia 3 de dezembro.