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Baixaria - com Cesário Braga

Ferrovia Transoceânica: O Trilho da Integração Amazônica (Parte II)

Ferrovia Transoceânica: O Trilho da Integração Amazônica (Parte II)

Se a Ferrovia Transoceânica promete unir oceanos, sua verdadeira força está em unir destinos. O desafio não é apenas transportar cargas — é transportar oportunidades. O Brasil tem, diante de si, a chance de construir uma nova fronteira de desenvolvimento que não repita o velho modelo de ocupação da Amazônia, mas que a transforme em território de prosperidade compartilhada.

A ferrovia pode ser o novo eixo estruturante da reforma agrária brasileira. As margens do traçado oferecem condições únicas para a criação de assentamentos planejados, vinculados a polos logísticos e agroindustriais. Em vez de áreas isoladas, seriam comunidades produtivas integradas a uma infraestrutura moderna de transporte e escoamento. O resultado seria um novo tipo de reforma agrária — uma reforma de integração, capaz de fixar famílias agricultoras próximas a rotas de desenvolvimento, gerando renda, emprego e segurança alimentar.

Essa ideia, aliás, não é nova. Nos anos 1960, o presidente João Goulart já propunha uma reforma agrária nas faixas de terras às margens das rodovias e ferrovias federais, como parte de seu programa de Reformas de Base. O objetivo era exatamente o mesmo: transformar corredores de transporte em corredores de desenvolvimento, aproveitando terras públicas e improdutivas para assentar trabalhadores rurais e democratizar o acesso à produção. O golpe de 1964 interrompeu esse projeto, mas o conceito permanece atual — e pode, enfim, ser retomado sob uma lógica moderna, sustentável e cooperativa.

Ao redor dos trilhos, podem nascer cooperativas agrícolas com acesso direto ao mercado nacional e internacional. Essa é a oportunidade de conectar a produção familiar a cadeias de valor mais robustas. Não se trata apenas de sociobiodiversidade — mas também de produtos com alta capacidade de gerar escala e divisas, como o café, o cacau, o milho, a soja e o gado. Quando produzidos sob estratégias cooperativas e com assistência técnica adequada, esses cultivos podem ser tão competitivos quanto os grandes empreendimentos, mas mantendo a riqueza onde ela deve permanecer: nas comunidades.

A Transoceânica também pode ser um corredor de agroindustrialização descentralizada, com pequenos e médios polos regionais de beneficiamento, armazenamento e exportação. Nessas bases logísticas, é possível agregar valor localmente: processar o cacau em chocolate, o café em torrefação, o milho em ração e o leite em derivados. Assim, a ferrovia não escoa apenas produtos primários — ela carrega o resultado do trabalho e do conhecimento das famílias amazônicas.

Mas essa visão não precisa esperar os trilhos ficarem prontos. A mesma lógica pode — e deve — ser aplicada às rodovias já existentes, que hoje cumprem papel fundamental na integração regional. É possível planejar corredores produtivos ao longo das BRs, com assentamentos rurais estruturados, polos cooperativos e agroindústrias locais, preparando o território para a futura ferrovia. O momento é agora: o desenvolvimento não começa com o trem, começa com o planejamento.

De um lado, a Ferrovia Transoceânica abrirá caminho para o Pacífico e o mercado asiático; de outro, se conectará ao Atlântico e ao mercado do Sudeste brasileiro, integrando a Amazônia às duas maiores frentes econômicas do século XXI. Nesse contexto, o Acre tem papel estratégico: pode ser o ponto de convergência dessa rede, unindo sua agricultura familiar e suas cooperativas às cadeias logísticas que ligam o interior amazônico aos portos e aos mercados do mundo.

A Ferrovia Transoceânica pode marcar o início de uma nova fase na história da Amazônia — uma era em que o desenvolvimento corre pelos trilhos, mas nasce da terra. E é sobre esse papel do Acre na integração produtiva amazônica que trataremos no próximo artigo.