A rotina de um advogado criminalista é marcada por desafios diários que vão muito além das salas de audiência e dos corredores de presídios. Somos defensores do Direito, da Justiça e, acima de tudo, da Constituição. Recentemente, um episódio exemplificou de forma contundente o quão importante é o papel do advogado criminalista e como ele é muitas vezes incompreendido pela opinião pública, inclusive por alguns membros do sistema de justiça.
No cenário em questão, recebi um chamado urgente no feriado: um familiar de um indivíduo preso em flagrante por acusação de tráfico de drogas, conforme o artigo 33 da Lei 11.343/2006. A audiência de custódia em menos de uma hora. Sem hesitação, me preparei e segui para o Fórum Criminal com meus sócios. O tempo era curto, e tivemos poucos minutos para conversar com o cliente antes de entrarmos na sala de audiência.
A sala estava composta por diversos atores do sistema de justiça, incluindo o juiz, o promotor, o defensor público de plantão e o escrivão. Cumpridas as formalidades, a audiência começou. O juiz explicou ao réu o propósito da audiência, ouviu as partes, e promotor e defesa tiveram a oportunidade de se manifestar e fazer perguntas. No final, o juiz proferiu sua decisão.
Até aí, tudo correu dentro da normalidade. No entanto, algo me chamou a atenção e continua a persistir em diversas situações: a tentativa de confundir o advogado com o acusado ou com seus supostos crimes. Nesse caso específico, apesar do réu ter sido preso com apenas 21g de maconha, uma quantidade que os tribunais já pacificaram como insuficiente para justificar a manutenção da prisão, o membro do Ministério Público fez alegações infundadas, não apenas contra o acusado, mas que atingiam também nós, defensores do mesmo.
Ele argumentou que a presença de três advogados na audiência era indício de que o réu era traficante e que sua prisão em flagrante deveria ser convertida em prisão preventiva. Além disso, afirmou que não existem mais traficantes sem ligação com facções criminosas e que os advogados eram pagos por essas organizações para defender os acusados. Essas alegações revelam um profundo desconhecimento da essência da advocacia criminal e da missão do advogado.
A advocacia criminal é uma atividade nobre e essencial para a manutenção do Estado de Direito. Nós, advogados criminalistas, temos o dever ético e profissional de defender não o crime, mas o Direito à ampla defesa e ao devido processo legal. O Estatuto da Advocacia, bem como o Código de Ética da OAB, são nossos guias nesse caminho.
A Constituição Federal, em seu artigo 133, reconhece o papel fundamental do advogado na administração da Justiça, sendo indispensável à sua função. A defesa técnica é um dos pilares do sistema judicial, garantindo que todos, independentemente de sua situação, tenham acesso à Justiça e à proteção de seus direitos fundamentais. A tarefa do advogado criminalista é árdua, especialmente quando confrontada com preconceitos e estereótipos infundados. No entanto, é nosso dever persistir na busca pela justiça, independência e imparcialidade. A acusação de que os advogados são cúmplices do crime é injusta e difamatória. Nós somos defensores do Direito e da Justiça, não do crime.
Não é raro que a opinião pública, muitas vezes leiga, não compreenda a importância de nosso trabalho. No entanto, quando membros do sistema de justiça endossam esse tipo de visão, é inadmissível. A advocacia criminal merece respeito e reconhecimento pelo seu papel fundamental na garantia do Estado de Direito e na proteção dos direitos individuais. Em um sistema jurídico democrático, a atuação dos advogados criminalistas é indispensável para evitar abusos, garantir que a lei seja aplicada com justiça e que os princípios constitucionais sejam respeitados. O desafio é grande, mas o compromisso com a justiça é ainda maior. A advocacia criminal, assim como a Justiça, é uma das pedras angulares de uma sociedade livre e democrática.
É igualmente importante destacar que respeitamos o papel do Ministério Público e seus membros, que, em sua maioria, atuam com zelo, compromisso e dedicação na busca pela Justiça. São esses membros que também contribuem para a efetivação do Estado de Direito e para a manutenção da ordem jurídica em nossa sociedade. No entanto, é importante destacar que nenhum sistema é perfeito, e fatos isolados não podem nem devem manchar a instituição. A transparência, a ética e a responsabilidade são fundamentais para preservar a confiança que a sociedade deposita nas instituições que compõem o sistema de justiça. E é assim que esperamos seja!
A confiança da sociedade na Justiça depende da integridade de todas as partes envolvidas no processo judicial, incluindo promotores, juízes e advogados. Essa confiança é a base para a manutenção do Estado de Direito e para a garantia de que todos tenham acesso a um julgamento justo.
Por fim, gostaria de parabenizar o trabalho da OAB/AC (Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Acre) pela inauguração da sala dos advogados nas dependências da Delegacia da Polícia Federal, ocorrida no dia 18 de outubro de 2023. Essa iniciativa é um passo importante na busca por garantir dignidade e condições adequadas para o exercício da advocacia criminal, fortalecendo assim o papel essencial que desempenhamos na defesa do Direito e da Justiça em nossa sociedade. A sala leva o nome do Dr. Macilo (in memoriam), renomado advogado criminalista, e representa um gesto de reconhecimento e gratidão à sua incansável dedicação à causa da justiça. Dr. Macilo foi uma figura emblemática na defesa dos direitos individuais e do princípio do contraditório no sistema legal. Sua vida foi marcada pela incessante luta em prol da classe dos advogados criminalistas, buscando fortalecer a advocacia e, por extensão, o próprio sistema jurídico. Esta homenagem é mais do que merecida e serve como um lembrete constante da importância de manter viva a chama da justiça, da defesa dos direitos de todos os cidadãos e da advocacia criminal.
*Advogado, membro da Comissão de Direito Criminal da OAB/AC.