A internet incontrolável que não perdoa o ‘outro lado’ da vida intima de políticos e até blogueiros; o Acre transformado em grande big brother. Qual será a próxima separação midiática?
As atenções estão voltadas para a Expoacre Juruá. Não para as negociações do setor produtivo. Luz, câmera e ação! Paparazzi nos camarotes do ‘Amnésia’ construído ao lado do palco principal na busca de um flagrante. Quem com status de celebridade vai estampar a manchete de amanhã?
Quem está transando com quem, quem fez cirurgia do bumbum ou tem estrias. Nunca alguns setores da imprensa acreana privilegiaram tanto o conteúdo de fofoca como nos últimos meses. A terra de Galvez se transformou em um grande big brother. Fatos ligados à intimidade de políticos ou figuras conhecidas na sociedade se sobrepondo ao conteúdo de interesse público.
Não se trata de nenhuma censura, afinal, jornalismo de fofoca é constitucional. A prosa é sobre essa tensão entre o que o público desse conteúdo deseja saber e o direito da figura pública, enquanto indivíduo, ter sua privacidade preservada.
“Ócio do ofício” argumentam os que preferem não debater esse tema.
Muitos colegas de profissão não querem ou preferem não falar sobre as mudanças estruturais que o setor vive, o que nos leva a questionar se esse víeis do jornalismo é imprensa. O que pertence ao interesse público e ao que pertence à vida privada e intima de cada cidadão?
Liberdade de expressão – replicam os defensores dessa superexposição.
Tudo bem, a Constituição Federal de 1988 elenca direito fundamental de todos os cidadãos a livre manifestação de pensamento conforme prevê o art. 5º, inciso IV, que diz: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato." Faz-se necessário, no entanto, avaliar que existem limites a esse direito.
A Carta Magna do Brasil em seu artigo 5º, inciso X, afirma serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Bem-vindos ao jornalismo digital, essa talvez seja a tréplica no assunto.
Hoje jornalistas e fotógrafos, muitas vezes nem precisam ir atrás da notícia. Vivemos essa era em que os fatos (áudios, fotos, imagens) entram nas redações de forma gratuita ou motivados por uma decisão política de quem é de direita ou de esquerda. Parece que interessante é o que dá ibope, um clique nesse ambiente é muito valioso, às vezes, maior do que uma investigação mais profunda.
A disputa por usuários parece desprezar a ética e nessa toada, acaba ignorando o direito da outra pessoa.
Mais uma vez afirmo, recorrendo até ao que nos ensina Roberto Baptista, advogado, ex-consultor do Ministério da Justiça (2012-2013) e um dos professores do curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, “se feito de maneira ética, jornalismo de fofoca é legítimo”. Ainda de acordo Baptista, esse é um tema que tem seu público, afinal, pessoas públicas tem pouca privacidade, estão sujeitas a investigação e devem estar preparadas para tal.
Quando falamos de ética jornalística nos colocamos diante de um debate antigo, assim como são velhas as estratégias de ganhar a atenção dos leitores, ouvintes ou telespectadores. Quem não se lembra das capas sangrentas dos jornais impressos no século passado? No rádio acreano, o “mundo cão” criado pelo radialista Estevão Bimbi foi campeão de audiência por mais de uma década graças ao seu conteúdo sensacionalista.
“Se algo sangra, vende” escreveu William Randolph Hearst ao analisar o sensacionalismo da imprensa para alavancar vendas.
Acredito que assim como eu, colegas gostariam de estar escrevendo sobre crescimento econômico, a diminuição das desigualdades sociais, estratégias para geração de emprego e renda, mas, são pautas que rendem poucos cliques. A divulgação de tais conteúdos ganha cada vez menos espaço no jornalismo digital.
Entre um gole e outro de cafezinho, parece não haver outro caminho. Vivemos um grande big brother onde a internet vai colocando no paredão quem se enquadrar nas lentes dos paparazzi ou dos especialistas em divulgação de fatos da vida privada e intima.
Qual será a próxima separação midiática?
Jairo Carioca é jornalista, assessor de imprensa, escreve semanalmente para o NH.