Cidades isoladas sofrem com desabastecimento de combustível, gás de cozinha e alimentos. A seca severa na região do Juruá e Purus provoca alta nos preços dos alimentos. Insegurança alimentar atinge mais de 2 mil indígenas.
“Esta obra foi executada pela Prefeitura de Porto Walter e pelo Estado do Acre sem autorização dos órgãos federais e sem consultar as comunidades indígenas de forma livre, prévia e informada”.
A mensagem acima, fixada por determinação da Justiça Federal nos locais de acesso ao ramal Barbary – que leva o nome do ex-prefeito do município de Porto Walter, atual deputado federal pelo PP (José Barbary) – mostra que este projeto de inapreciável alcance social, começou de trás para frente, daí a analogia: “o poste mijando no cachorro”.
O protocolo inicial – a decisão do então prefeito Barbary – de abrir o pico pelo ramal que leva o seu nome, afinal ele é o patrocinador político da obra, pareceu uma aposta cega do coronelismo de barranco.
A partir daí, uma sucessão de equívocos, inclusive do estado, que concedeu através do Instituto de Meio Ambiente do Acre, o IMAC, licença ambiental para a abertura do ramal, resultou na atual batalha marcada pela intransigência de posições e interesses, em detrimento tanto da conservação ambiental, dos costumes e tradições indígenas, como da qualidade de vida dos mais de 20 mil cidadãos que vivem nos limites territoriais de Porto Walter e Marechal Thaumaturgo.
A Justiça, inspirada por Têmis – a divindade grega – cumpre o seu papel, cobra que os protocolos necessários a uma obra dessa envergadura, em plena floresta amazônica, sejam reiniciados conforme determina a lei. Isso não se discute.
Mas, como tirar Porto Walter e Marechal Thaumaturgo da lista do Atlas da Exclusão Social no Brasil, sobre as piores condições nas áreas de emprego, pobreza, desigualdade social, alfabetização, escolaridade, juventude e violência?
Como amenizar no período de seca mais severa dos últimos anos, o caos social vivido pelos municípios considerados mais isolados do Estado do Acre?
Segundo o Corpo de Bombeiros Militar os municípios de Jordão, Marechal Thaumaturgo e Porto Walter podem sofrer com desabastecimento de combustível, gás de cozinha e alimentos. A seca severa na região do Juruá e Purus provoca alta nos preços dos alimentos e insegurança alimentar. Mais de 2 mil indígenas estão atingidos pela situação emergencial, somente nesta área monitorada pelo Comitê de Comando e Controle do governo do Acre.
Um dos afluentes do rio Juruá, o Tejo, tem lâmina de água de 10 centímetros. O manancial é o principal meio de transporte para os índios Kuntanawa e a Vila Restauração. O transporte de barco que era feito entre 4 e 6 horas, leva o dia todo. Falamos de uma região no extremo oeste do Acre, interior da Reserva Extrativista (Resex) do Alto Juruá,
Autoridades do Estado buscam soluções para capacidade de respostas diante da crise hidrica vivida na região do Juruá
Embora não adotem esse termo e nem gostem de serem classificados assim, “isolamento” é a expressão mais apropriada para a causa que ganhou um emaranhado de disputas e divergências interinstitucionais.
Antes mesmo de qualquer máquina no trecho embargado, já era realidade a invasão de madeireiros e traficantes pela foz do Amônia, na fronteira com o Peru, tanto nas terras indígenas em questão, como na rotina dos cidadãos. Nenhum outdoor foi fixado informando essa situação.
Talvez, o atual deputado federal José Barbary tenha, em sua forma de encarar os problemas, pensado no direito à cidade, quando decidiu abrir a toque de caixa, em 2021, o ramal que leva seu nome. O que ele não analisou foi que tal ato, sem respeitar os trâmites legais, iria prejudicar a sonhada integração regional, a ponto de ameaçar que este projeto não saia do papel.
A situação está nas mãos do Ibama e do ICMbio, órgãos que há anos analisam a sonhada ligação entre Brasil e Peru via Mâncio Lima e Pucallpa, a conclusão da pavimentação da BR 319 entre os estados do Amazonas e Porto Velho.
Isso não livra as autoridades de refletirem sobre o direito a cidade. Cabe a todos e a todas participar de processos de construção do espaço urbano, de cidadania. Ninguém pode ser excluído, especialmente as minorias, os que vivem nas zonas urbanas e as margens dos rios e igarapés, no meio das florestas. O sol brilha para todos.
Se pensarmos que as prospecções de mudanças climáticas são catastróficas para os próximos anos, veremos que esse papo de cafezinho não é tarefa simples.
O grande desafio é o equacionamento de justiça social e equilíbrio ambiental.
Jairo Carioca é jornalista, assessor de imprensa e escritor, colabora semanalmente com o NH.