Quase 2,5 toneladas métricas de pistolas e revolveres foram importados para o Acre em 2023. Isso representa seis vezes mais o volume importado regularmente. Por outro lado, a Policia Federal informou a redução no registro de armas em todo o estado acima da média nacional (82%). O comando da segurança pública comemora redução no número de homicídios. Na outra ponta, facções focam no aumento da produção de cocaína na região de Ucayalli, no Peru. PCC, CV e outras organizações criminosas disputam o controle do tráfico de drogas em 181 cidades na Amazônia.
Um dado que passou despercebido – ou ninguém tem interesse em falar neste assunto – foi o da movimentação financeira de importação de pistolas e revolveres em 2023 para o estado do Acre, que passou legalmente pelas fronteiras entre o Peru, a Bolívia e o Brasil. Mais de 1 milhão de dólares (5 milhões em reais) comercializados. Isso representa, segundo dados do Comex Start (portal para acesso gratuito às estatísticas de comércio exterior do Brasil) seis vezes mais o volume importado regularmente.
Comparando esses dados com a divulgação dos índices de violência e do registro de armas no Acre, surgem dois questionamentos: primeiro, onde estão essas armas? Segundo, quem está, literalmente, armado até os dentes.
A primeira pergunta diz respeito aos dados apresentados pela Polícia Federal apontado o estado do Acre como um dos que reduziu os registros de armamentos acima da média nacional (82%). A comparação é com relação a 2022 e os dados são do Sistema Nacional de Armas (Sinarm).
O comando de segurança pública do governo do Acre comemora a redução, segundo o Atlas da Violência 2023, de -33,5% na taxa de homicídios. Os dados, no entanto, são de comparações dos anos 2020 e 2021. Nesse mesmo documento o Atlas também avaliou os homicídios cometidos em uma década, apontando redução na violência desenfreada que o estado viveu.
De fato, não tem como comparar a condução da segurança pública da atual gestão do governador Gladson Cameli com o que foi feito neste setor nos governos de Binho Marques e Tião Viana. A partir de 2015 as famílias acreanas assistiram a taxa de homicídio, principalmente, em Rio Branco, atingir 34 assassinatos por cada 100 mil habitantes, número que chegou a 62 por 100 mil no ano seguinte e atingiu o pico, 75 por 100 mil em 2017.
Característica marcante das mortes violentas provocadas por armas de fogo nesse período foi a idade das vítimas em questão, primordialmente jovens entre 15 e 29 anos. Outro fator importante é o da raça das vítimas em sua grande maioria jovens negros e de baixa renda, residentes de áreas periféricas. A ausência do estado não possibilitou a esta juventude ampliar as suas possibilidades de ascensão social e muito menos a financeira.
Essas gerações certamente não experimentaram do jargão do ex-governador Binho Marques de que o Acre era o “melhor lugar para se viver na Amazônia”. Ele próprio ao concluir seu governo foi morar em Brasília. O seu sucessor, Tião Viana, deixou o governo em 2018 com 29% de jovens sem estudar e sem trabalhar. A geração nem-nem criada nos governos petistas, cooptada pelo crime organizado, ajudou a fortalecer as facções criminosas, uma delas, identificada como Bonde dos 13. O crime organizado se instalou no Acre começando uma sangrenta disputa pelo controle do tráfico de drogas na Fronteira. Para Fundação Getúlio Vargas Social (FGV Social), esse período comprometeu o presente e o futuro dessa geração.
A gestão de Cameli não tratou essa mazela como um mal necessário, elegendo líderes faccionados como heróis. O governo buscou reagir aos reflexos negativos da violência. É possível afirmar que saímos do caos. A sociedade se tornou menos tolerante ao que parecia ser comum e natural, ou seja, as ondas da violência. Corpos que amanheciam executados as margens dos rios e igarapés, ramais de difícil acesso.
Muito ainda precisa fazer
De acordo com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público Estadual do Acre, o estado se tornou corredor logístico para o tráfico de drogas. No mapa, de acordo o GAECO, “a região do Alto Acre é dominada pelo Comando Vermelho (CV), enquanto que as cidades que compõem o Baixo Acre, vivem uma disputa entre as facções que utilizam a rota terrestre da BR-317 para comercializar drogas para a Bolívia e alimentar pontos de comércio de drogas em território local", disse a UOL, o promotor Alberto Albano, coordenador do GAECO.
Enquanto políticos acreanos discutem o “sexo dos anjos” com o debate sobre o tráfico de drogas longe do parlamento, as organizações criminosas estão se unindo com o PCC, o CV e até com cartéis do tráfico colombiano para manter rotas comerciais na região. Segundo reportagem da UOL, assinada pelos jornalistas Herculano Barreto Filho e Fabíola Perez, “os colombianos firmaram parceria com o Comando Classe A (do estado do Pará) para reduzir desvios de cargas na rota do Rio Solimões até o Porto de Barcarena (PA), de onde a droga é enviada para a Europa.
O aumento na produção de drogas na região de Ucayalli, na fronteira com o Peru, preocupa o MP do Acre que viu crescer ano passado o registro de mortes violentas em todo o estado, sinalizando a migração do crime para as cidades interioranas. Pela rota Solimões foram apreendidas 8 toneladas de cocaína nos rios acreanos.
Se tais fatos estão ligados ao recorde em compras de armas, só Deus sabe. A própria Receita Federal, segundo o Comex Start, não indica se as quase duas toneladas e meia métricas de revolveres e pistolas foram destinadas às forças de segurança do estado do Acre ou para particulares. O relatório do Fórum Empresarial de Inovação e Desenvolvimento que trouxe à baila esses dados, também não respondeu se a entrada desse armamento foi pelo modal marítimo ou terrestre, este último, via Corredor Interoceânico.
Levando em consideração que os dados que apontam a redução da violência são todos referentes a dois ou três anos atrás, e que, em contrapartida, os cartéis colombianos anunciam recordes na produção de cocaína, é bom ficar atento a pressão que esses números provocam. Mais droga no mercado, significa aumento da violência. PCC e CV, de disputam o comando do tráfico de drogas em pelo menos 181 cidades da Amazônia, onde não existe “trato de paz”.
Entre um gole e outro de cafezinho o leitor deve estar perguntando: quem está armado até os dentes?
Jairo Carioca é jornalista e escritor. Colabora semanalmente com o NH.