O papo é de cafezinho, mas, não se trata de nenhuma receita de suco de laranja ou afins.
A prática é de uma estratégia usada por partidos políticos para burlar a lei de cotas com o registro de candidaturas femininas apenas no papel, na prática, elas têm seus recursos financeiros transferidos para candidatos homens. E embora seja crime, a tendência é de aumento da figura “laranja” envolvendo até servidores públicos homens.
O tema esquentou após a divulgação de uma pesquisa realizada pelas professoras Malu Gatto, da University College London, e Kristin Wyllie, da James Madison University, que revela a dimensão das candidaturas de fachadas, mesmo com o Tribunal Superior Eleitoral jogando pesado com legislação contra essa prática no Brasil.
Segundo o levantamento de Gatto e Wyllie, 35% de todas as candidaturas de mulheres para a Câmara dos Deputados na eleição de 2018 não chegaram a alcançar 320 votos. O estudo mostra ainda que após 20 anos depois da introdução da lei de cotas, em 1998, pouco se avançou na representatividade de mulheres na Câmara. De 1998 a 2018, o percentual de deputadas passou de 5,6% para 15%. E ainda de acordo os dados levantados, as 30 legendas com representação no Congresso Nacional tiveram mais de 10% de possíveis laranjas dentre suas candidatas mulheres para a Câmara.
"Acho que é importante enfatizar que isso não é uma prática de uma única legenda. Todas adotam essa estratégia em maior ou menor grau", disse Malu Gatto, à BBC News Brasil.
No Acre não é diferente, em 2018, a Operação Citricultor investigou possível prática de crimes eleitorais, entre eles associação criminosa, apropriação indébita, desvio de recursos eleitorais, fraude na prestação de contas (caixa dois eleitoral) e lavagem de dinheiro, além de coação no curso do processo. Pelo menos 19 candidatos zeraram nas eleições de 2018 e destes 12 eram candidatas mulheres. O PSOL foi alvo de operações que cumpriu 17 mandados judiciais em Rio Branco e Rodrigues Alves. Uma das candidatas pode ter recebido R$ 120 mil, mas, recebeu apenas 358 votos. Outras candidatas teriam recebido mais de R$ 13 mil, tendo obtido aproximadamente 20 votos cada uma. O desfecho da operação iniciada em junho de 2020 é desconhecido.
O Acre tem atualmente quatro pré-candidatas ao Senado: Mailza Gomes (Progressista), Vanda Milani (Solidariedade), Jessica Sales (MDB) e Márcia Bittar (sem partido). O que parece ser empoderamento feminino, na verdade, vem se transformando em uma grande incógnita. Qual delas vai manter a candidatura até a oficialização dos nomes?
É que embora os partidos tenham garantindo a cada uma a sustentação dos seus nomes, não precisa se debruçar muito nas dinâmicas que levam a baixa representação da mulher na política do Brasil para coloca-las entre as que enfrentam barreiras de empoderamento feminino. Quem ver a luta da atual senadora Mailza Gomes para ser candidata à reeleição, observa que não basta ser mulher, não basta ter sido escolhida pelo povo, a situação de sub-representação na política brasileira mostra um desenho institucional cruel, cuja a predominância de candidaturas é masculina. As mulheres acabam retirando seus nomes do processo em nome de alinhamento político, ou da famigerada “democracia”, são engolidas pela dinâmica de proteção do poder.
A ineficácia ou mesmo a falta, de políticas públicas capazes de resguardar o direito das mulheres, se dá também pelo fato do espaço da política institucional ser ocupado majoritariamente por homens. A própria cota de 30% para mulheres em cada coligação não foi suficiente para garantir a paridade dos gêneros na política. Isso também foi apresentado nos estudos da cientista política Malu Gatto, pesquisadora da Universidade de Zurique, na Suíça, professora da Universidade College London.
A situação é mais grave
Chamo atenção para outro aspecto importante. Outro estudo, feito pelas ONGs Terra de Direitos e Justiça Global, aponta para “uma mudança de configuração das forças políticas brasileiras a partir de 2018 que privilegia o conservadorismo. Uma tática de desmonte dos progressos conseguidos ao longo dos períodos de democracia, mesmo que tímidos. No cotidiano das mulheres que trabalham com política, essa violência se manifesta de diversas formas”, diz o estudo.
A violência vai além da participação na vida pública. É como se a jornada política não fosse uma atividade já extenuante.
O que surpreende é o pouco ou quase inexistente debate deste tema dentro dos próprios partidos. Em ano eleitoral, parece existir omissão por parte dos próprios comitês femininos, do poder público, no enfrentamento dessa violência. O efeito dessa banalização – parece ser natural os ataques sofridos por mulheres durante o processo eleitoral ou no exercício do mandato – acaba desestimulando novas candidaturas. Tem como consequência a menor participação da mulher na política, contribui para perpetuação da desigualdade de gênero.
Talvez por esses motivos, o tema tenha se transformado em objeto de estudo que analisa entre outras questões, o porquê de as mulheres ainda serem minoria na política, ainda que participem da política informal historicamente, sejam a maioria da população brasileira e a maioria do eleitorado brasileiro.