Toda a comoção em torno da morte do Nego Bau no Pronto Socorro de Rio Branco, há 35 dias, ficou mesmo no “post da rede social” para a plateia. Onze dias depois, uma senhora de nome não revelado deu a luz a um bebê na calçada de acesso à maternidade Barbara Heliodora, as cenas chocantes viralizaram, mas foi apenas mais um caso para a estatística. Dias depois, Felipe da Silva, de 18 anos, talvez um dos mais novos moradores de rua, foi morto a pauladas enquanto dormia em uma parada de ônibus, também em Rio Branco.
Quem passa pelo centro da cidade, bem ao lado do Palácio da Justiça, em frente ao Fórum Barão do Rio Branco, a Igreja Nossa Senhora de Nazaré, próximo do Palácio Rio Branco, a Assembleia Legislativa do Acre e a Justiça do Trabalho, deve lembrar-se da série americana The Wire e da Cracolândia como o “Hamsterdam”, um bloco de quarteirões desocupados onde a polícia de Baltimore, na tentativa de diminuir a criminalidade das ruas, criou uma “zona livre” para traficantes.
A diferença entre os caminhos das pedras é que os nossos ‘cracoleiros’ estão em zonas de estacionamentos, numa área movimentada e ativa propícia para o crime. Tanto que o número de assaltos, furto de cabos, fios, arrombamentos, triplicou na região, foi capaz até de calar “a voz das selvas” a mais antiga Rádio do Sistema Público Estadual. Por ali, parece que o “pai me dá um real” é o único grito de socorro vigente e não entendido pelas autoridades.
Eles continuam se apresentando no meio das ruas, embrulhados em papelões, outros fumando crack abertamente e em plena luz do dia. Não precisa mais o escurinho da antiga Praça dos Tocos que na década de 80 acolhia casais de namorados apaixonados. Em meio a barracas comerciais abandonadas, eles exibem seus rostos. Outros vão e vem meio que perdidos, pedintes em lanches, comércios que ainda sobrevivem em meio esse cenário. Na calçada de acesso entre o Restaurante A Princezinha e o Fórum Barão do Rio Branco, muito lixo e cheiro insuportável de urina e de corpos não lavados. Um caos em meio a prédios públicos que representam os poderes constituídos do Estado.
O que leva um morador de rua não aceitar sair dessa situação?
Ter atenção pela singularidade das histórias de cada um talvez seja uma sobremesa que falta e que é essencial além da marmita oferecida diariamente aos moradores de rua pela prefeitura de Rio Branco. Essa ausência de diálogo e comprometimento mais profundo com a causa, talvez, estimule o ciclo vicioso que troca alimento por dinheiro para a compra de droga, uma denuncia calejada feita por jornalistas que assistem a esse movimento diário, bancado, em tese, com recursos públicos. Sem educação e saúde, estes moradores de rua se tornam a cada dia mais vítimas da doença e da violência.
Seria bom que cada político que se manifestou nas redes sociais com a morte do Nego Bau, o queridinho morador de rua que cresceu no bairro do Bosque, pudesse vim à público prestar contas do que tem feito em favor da mudança dessa triste realidade. E as investigações sobre a tortura ao Nego Bau? A moradora de rua teve ou não negligenciado atendimento na Maternidade Barbara Heliodora?
Não precisa ser nenhum especialista para saber que o passado desses personagens deve estar associado a vulnerabilidade potencializadas pela moradia na rua, sem laços familiares, de própria moradia, trabalho, estudo, oportunidades. Maria Lúcia Lopes, estudiosa sobre o tema, considera que o fenômeno “situação de rua” é consequência de diversos condicionantes, como: fatores estruturais – ausência de moradia, trabalho e renda; fatores biográficos relacionados à vida particular do indivíduo – por exemplo, a quebra de vínculos familiares, doenças mentais e uso abusivo de álcool ou drogas.
Quantos Negos Bau precisam morrer?
Jairo Carioca é jornalista, assessor de imprensa, está coordenador da Rede Aldeia de Rádios FM, ancora do programa Cidadania, que tem o Papo de Cafezinho como principal quadro de entrevistas.