Reconfiguração da identidade jornalística ou ‘convergência de modos’. O jornalista também é uma pessoa, tem sentimentos, valores, e nesse contexto, tem um entendimento religioso, independente de ser ou não crente.
O dia do jornalista esse ano, coincide com uma data de profunda reflexão sobre o Evangelho da Paixão, onde fazemos memória do julgamento, condenação e o assassinato de Jesus Cristo, e também, sobre a vida, representada pelo Tríduo Pascal – um único guia com três momentos: a entrega que Jesus fez de sua vida ao pai (lava pés na Santa Ceia), a sua paixão e morte na cruz e a sua ressurreição dos mortos.
Dias atrás, escrevi sobre publicações jornalísticas relacionadas a passagens bíblicas e escândalos políticos, numa politização que parece dividir a sociedade entre o “bem” e o “mau”. É como se no lado da Igreja, supomos não haver pecados e, do lado da política, não existiria chance alguma de salvação.
Trazendo essa reflexão para o papel do jornalismo, com a religião entrando tão forte no campo político, podemos afirmar que os jornalistas precisam aprender mais sobre o tema. Sem desprezar nenhuma religião ou doutrina, todas e todos estão em voga nesse debate.
É preciso considerar também, a metamorfose do jornalismo impresso para o digital e as profundas transformações do trabalho do jornalista que modificam, principalmente, o processo de produção da notícia. Será que a mídia tradicional foi incapaz de representar a complexidade do mundo contemporâneo? Daí a crença de que textos sagrados podem ajudar a influenciar a vida pública.
Muitos são os estudos sobre o tema.
Fidalgo (2005, p.2) nos leva a refletir sobre os limites da atividade dos jornalistas enquanto profissionais. Chama a atenção para as novas configurações do jornalismo moderno que contribuem para uma perda de identidade da função de jornalista.
Para muitos atuar como “jornalista de religião” fere a função social do papel de jornalista e o seu compromisso com a notícia (Travancas, 2013, p 11). Por outro lado, há quem afirme que religião e jornalismo são as únicas forças verdadeiras. Quando se diz que jornalismo é um sacerdócio, diz-se bem [...] o jornalismo é um sacerdócio porque tem a influência religiosa dum sacerdote (PESSOA, 1972, p. 283)
Esse último conceito nos remete a proposição de que o jornalista também é uma pessoa, tem seus valores e visões de mundo. Neste exame, este profissional – não importa se ateu ou crente – tem uma compreensão religiosa, pois, elaboram sentidos para sua existência.
Essa semana recebi o ISBN de minha obra que fala sobre a Doutrina do Daime. Entre os objetivos, o documento que será lançado em breve, busca o melhor conhecimento sobre a vida e a história do Mestre Irineu – fundador do espiritismo da floresta – e o melhor uso do conceito de “memória divina” formado pelo conjunto de ritos e cerimônias concebidos através da bebida ancestral conhecida mundialmente como ayahuasca, nacionalizada a partir da decodificação de significados, como “Daime”.
Me posiciono a favor do papel cooperativista em que o jornalista transita entre o seu mundo e o mundo religioso. Nessa relação, tanto a religião ou uma doutrina busca influenciar o jornalismo, quanto o que se produz no ambiente do jornalismo acaba por influenciar o universo eclesiástico.
A verdade é que na busca da sobrevivência, o jornalista hoje não é apenas o cidadão que produz notícias, ele está inserido em diferentes realidades sociais, transitando em contextos diversos. É a fase hibrida das funções exercidas e locais de trabalho, o que Jenkins (2009) descreve como reconfiguração da identidade jornalística ou ‘convergência de modos’.
O que nos conforta é que segundo Hegel, ‘a leitura do jornal é a oração matutina do homem moderno.’
Feliz Páscoa a todos!
Jairo Carioca é jornalista, assessor de imprensa e escritor.