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Perspectiva | Com Raphael Bastos Jr.

A PORTA

A PORTA

Quero iniciar a coluna de hoje de uma maneira diferente, agradecendo a alguns amigos que nos acompanham, que nos incentivam e que principalmente contribuem direta ou indiretamente com a produção da coluna. É gratificante saber que existem muitas pessoas que tem o mesmo entusiasmo e amor pelo nosso estado e estão sempre abertos e dispostos a dialogar, buscando entender os problemas vivenciados e debater propostas de soluções. Vocês, sem dúvida alguma, são o futuro do nosso Estado.

Agradeço também ao meu amigo Ray Melo, um dos idealizadores dessa coluna e grande incentivador, e aproveito para parabenizá-lo pelo nascimento de sua princesa Bárbara Brandão Melo, que venha trazer luz e alegrias a você e sua esposa.

Vamos iniciar o nosso encontro semanal!

Durante muitos anos, ouvimos que o Acre seria a porta de entrada de produtos importados para processamento industrial na Zona de Processamento de Exportação – ZPE, e a porta de saída para exportação – via Estrada do Pacífico –, que os portos do Peru são mais viáveis, pois reduziriam o tempo de rota marítima dos navios, além de vários outros argumentos nos foram apresentados colocando o Acre como “PORTA do Brasil para o Mundo”, acendendo o sonho de desenvolvimento e crescimento econômico para nosso estado.

Porém, na última campanha eleitoral em 2018 foi apresentada uma “nova porta” que traria um desenvolvimento real, que seria nossa “salvação econômica”, e o anseio por mudança foi tamanha que deu a vitória em primeiro turno ao atual governador.

Acreditou-se que ao dizer não ao modelo da “Florestania” e sim ao novo modelo com base nas políticas voltadas para o agronegócio, essa nova porta apresentada traria o tão sonhado desenvolvimento.

Não se imaginava que tipo de porta efetivamente nós acabaríamos nos tornando.

Após muitas pesquisas e estudos durante os últimos dias, venho hoje trazer uma abordagem do segmento que é a maior bandeira do atual governo, aquela que encheu o coração dos acreanos de esperança, e trouxe o entusiasmo de que dias melhores chegariam – convido todos que apreciam nossa coluna para se debruçar e desenvolver junto comigo uma análise mais qualificada sobre o Agronegócio.

Mas não poderia deixar de pedir a vocês meus caros leitores, para mais uma vez esvaziar nossas xícaras de pré-conceitos e olharmos para os fatos sob outra PERSPECTIVA!

Antes de mais nada, é inegável a ousadia utópica do atual Governador, em escolher como bandeira de campanha e da sua gestão um segmento tão desafiador e, ainda, alocar nele todas as expectativas de desenvolvimento econômicos do nosso estado.

Foi uma decisão arriscada, tendo em vista o tamanho dos desafios à época apresentados: temos 87% de nosso território coberto por floresta nativa e com um arcabouço jurídico ambiental (Código Florestal) bem robusto e conservador, além de assistência técnica especializada insuficiente para o produtor rural e grandes dificuldades de infraestruturas para escoamento da produção, tudo isso em no máximo 9% de área produtiva. Sem dúvidas, um ambiente bem desafiador!

Não posso ser injusto, houve avanços significativos. O reconhecimento por parte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado como Zona Livre de Aftosa Sem Vacinação foi de longe o maior avanço que tivemos nessa área e traz a abertura de mercados internacionais para consumo de nossa carne, aumentando consideravelmente a exportação de bovinos.

Já a ampliação das produções de milho e soja não pode ser considerada de fato como conquista das políticas públicas de agronegócio, uma vez que os produtores que estão atuando de fato nessa cadeia são grandes empresários, que não necessitam da intervenção de politicas públicas para implementação de suas produções, ou seja, como dizemos no popular, é o governo querendo “pegar cobra com as mãos alheias”.

Mas o grande problema que quero trazer ao conhecimento de todos, está relacionado diretamente à produção agrícola, mais precisamente no cultivo da família Theobrama, que abrangem 22 (vinte e duas) espécies vegetais – sendo as duas mais conhecidas o Cacau e o Cupuaçu –, uma cadeia produtiva de grande importância, principalmente para subsistência de pequenos produtores e abastecimento do mercado interno.

Fomos a porta de entrada de uma doença, uma “praga” que nunca existiu em território nacional e que há 200 (duzentos) anos já era relatada na América Latina, que ataca diretamente a família Theobrama, e tem um alto poder de proliferação e propagação no plantio dessas espécies: estou falando do fungo Moniliophthora roreri, conhecido como Monilíase, que foi detectada pela primeira vez no Brasil, no município de Cruzeiro do Sul no mês de julho.

Até então essa doença só era encontrada em países como Equador, Venezuela, Panamá, Costa Rica, Peru, Bolívia, México e outros, isso de acordo com o nosso Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento em nota publicada em agosto de 2020.

Tão logo foi detectada a existência do foco da doença no Brasil, imediatamente o Ministério de Agricultura – MAPA declarou o Acre como uma área sob quarentena, mediante edição da Portaria nº 372, de 03 de agosto de 2021, ficando proibido o trânsito de vegetais das espécies da família Theobrama para as demais unidades da Federação, até que seja erradicada a doença.

Temendo não ser suficiente a quarentena, o MAPA tomou uma nova medida e declarou estado de emergência fitossanitária, nos Estados do Acre, Rondônia e Amazonas, pois existe o risco iminente de introdução dessa doença – portaria assinada pela Ministra Tereza Cristina no dia 04 de agosto de 2021.

O tema é tão delicado que vem sendo alvo de audiências públicas.

No dia 13 de setembro, na Câmara Federal, a pedido da Deputada Federal Líndice da Mata, da Bahia, com participação de prefeitos e secretários de produção de 83 (oitenta e três) municípios baianos, outros Estados também estão totalmente mobilizados, Rondônia, Amazonas, Pará, Espírito Santo e Mato Grosso se uniram e fizeram uma verdadeira força tarefa mandando diversos profissionais para o Acre na tentativa de conter o avanço dessa doença.

Lamentável até aqui nenhum dos nossos parlamentares Federais (Deputados e Senadores) terem se prontificado a atuar fortemente no combate dessa doença, buscando recursos financeiros específicos para essa causa, onde os esforços precisam ser grandes para sua erradicação, uma vez que a mesma consegue se disseminar com auxílio dos ventos.

Uma vez sendo identificado em uma área o fungo, precisa-se adotar vários procedimentos, o recolhimento de todos os frutos e seu envio para análise, a derrubada de todas as árvores, enterrando-as para evitar ação do vento, animais e homens em levar o fungo para outras propriedades, somente assim seria possível erradicar a doença.

Só que o Governo do Acre não dispõe de condições técnicas suficiente para conduzir todas essas frentes necessárias para o combate dessa praga, tendo um número insuficiente de profissionais agrônomos e, ainda, dos profissionais disponíveis, pouquíssimos são capacitados para o combate e erradicação da monilíase.

O que se observa é que houve uma prioridade na defesa animal e se deixou de lado a defesa vegetal, a ponto de podermos ter graves consequências sociais e econômicas nos próximos meses.

Fato é que se não houver uma ação efetiva do Governo para erradicação dessa doença em nosso Estado nas próximas semanas, antes das fortes chuvas de janeiro, que tornaria o ambiente ainda mais úmido, ideal para proliferação dos fungos, será quase inevitável considerar a possibilidade da doença se alastrar por todo o território nacional.

Apesar de ainda não estar comprovado que a polpa do fruto também pode ser um vetor de transmissão, já existem análises acontecendo sobre essa hipótese, pois esse fungo é endógeno, de dentro para fora, e acontecendo essa comprovação, o comércio da polpa dessas frutas seria também prejudicado.

Isso tudo acontecendo, imaginem todos os pés de cacau e cupuaçu que existem em nosso Estado tendo que ser derrubados, enterrados e as polpas descartadas para um efetivo controle dessa doença, quantos anos levaria até se atestar a erradicação, e mais quantos anos até ter essas culturas novamente sendo produzidas em solo acreano.

Além de outras cadeias que indiretamente podem ser prejudicadas, como por exemplo a farinha de mandioca, pois é muito comum se ter ao redor das casas de farinha plantas como cacau ou cupuaçu, onde os ventos podem levar os esporos do fungo para as sacas de farinhas, uma vez essas sacarias sendo contaminadas, e enviadas para grandes centros seria mais um vetor de propagação do fungo.

Ficando comprovada a presença do fungo em qualquer outra cultura direta ou indiretamente seria natural que o Ministério de Agricultura – MAPA suspenderia a saída desses produtos imediatamente, causando ainda mais transtornos sociais e econômicos em nosso estado.

Quem ler essa conjectura acima pode ser levado a acreditar que estou fantasiando, ou até mesmo que estou criando terrorismo, mas o fato é que já houve recentemente um bloqueio em Cruzeiro do Sul, de uma balsa de uma cooperativa que saiu do território acreano para buscar murumuru no Município de Ipixuna, no Amazonas, produto que é regulamente vendido pela cooperativa para indústria de cosmético, porém essa balsa foi impedida de cruzar a divisa com o Estado vizinho pela Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Amazonas – ADAF, como medida preventiva ao combate da monilíase.

Até o momento, só foi disponibilizado um pouco mais que duzentos mil reais pelo Governo Federal para o combate na defesa vegetal do Estado.

Infelizmente o sonho de ter o nosso Acre reconhecido nacionalmente como porta do comércio exterior pelo Pacífico, ou como porta de produção de agronegócios sustentáveis de alto valor agregado, vem sendo suprimido pela dura realidade imposta pela ineficiência do poder público Estadual para reagir imediatamente contra uma doença vegetal grave, tornando-nos sim, reconhecidamente no Brasil como “Porta de Entrada de Pragas”.

Finalizo pedindo socorro às nossas autoridades, que os nossos Parlamentares possam abraçar esse problema com a urgência necessária, buscar recursos imediatamente para o combate e erradicação dessa doença, que os Deputados Estaduais atuem fortemente na fiscalização das ações a serem adotadas pelo executivo, e que o Governador possa dar respostas efetivas para que não tenhamos o Acre protagonizando negativamente as páginas tristes de nossa produção em cenário nacional.