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Sensibilidades - Por Antônia Tavares

Sensibilidades

Sensibilidades

Com a responsabilidade de ser eu e à prova de balas, começarei a manifestar minhas próprias opiniões neste noticiasdahora.com.br, e já começo solicitando a mudança do título “Decomposição” para “Sensibilidades”, porque gosto de sensações, embora eu trabalhe com ruínas, restos, demolições.

Decomposição
Decomposição é uma palavra que me acompanha desde 2015, ela me revela o movimento perpétuo do mundo. Quero sensibilidades porque dizem que eu a tenho em meus olhos tristes, vejo as coisas com sentido incorpóreo, oculto e é com a palavra que procuro transformar o mundo. A palavra tem poder, é uma força estranha que cria realidades. O que é a realidade? O que somos nós? O que é a vida?

A palavra
A palavra é a matéria prima do meu trabalho. Agora, quero palavras com suas reticências loucas, pois sou louca de tanto compreender as coisas que acredito e não vejo, muita coisa a gente não vê, mas elas existem. Escrevo o que acredito e acredito no que faço para transformar o mundo que não acredito. Escrevo por não poder falar o que é proibido para uma mulher: ser mulher. O que minha mente me diz é a vida e assim vou vivendo.

Sou mulher
Sou mulher e em breve completarei 50 anos de vida na terra. Nasci viva e trêmula, o cordão umbilical quase me mata enforcada, foi preciso parteira. Tenho sensibilidades à flor da pele e vejo com susto as coisas que se me atravessam, como um rio que transborda com seu horror. Pertenço ou sou pertencida? O que domina a minha liberdade? Sou eu uma coisa domável? Ai de mim.

Histórias
Escrevo histórias que vejo com meus próprios olhos, às vezes em sonhos. Dizem que a paxiúba é uma palmeira que se move na mata, sai do lugar com suas raízes fora da terra, cambaleante. Dormitando, ouço músicas, e quem acredita que assisti ao meu próprio parto? Estou viva e em sonhos me salvo voando, voo alto e ao redor das árvores a sombra do meio-dia no chão. Ninguém vê: é o silêncio das árvores, que coisa mais extraordinária.

Trabalho formal
Sou escritora amadora. Já publiquei um livro. Hoje ocupo um cargo no Ministério Público do Acre e lá vivi experiências singulares, situações que nem sei se posso contar, é quase um segredo meu, porque me assusto muito com a morte. Uma coisa que tenho medo é de criancinha morta dentro do caixãozinho almofadado de pano de seda azul celeste. Os olhinhos de anjo que mal se abriram, fechados para sempre, a boquinha roxa enrugada como se tivesse acabado de nascer e o cheiro de flor branca: insípida.

O sol está se abrindo
Acebei não dizendo o que era para ser dito. O sol está se abrindo em luz aqui da minha janela e sobre a cama enfeitada de calor encontro palavras sublimes. Tanto esforço, para quê? Ainda há tempo de viver uma vida autêntica, uma vida autêntica é perigosa de ser vivida por uma mulher e o ano está só começando. Feliz 2022.
Promessas para entrar o ano

Quem me segue que me siga, eis a minha lista de promessas 2022:
1. Escrever todos os dias
2. Capturar com a palavra a coisa desconhecida
3. Tirar a carta do dia (tarô)
4. Despir-se do medo da nudez crua
5. Viver sem temer a morte
6. Ler livros com o coração aberto (todo dia)
7. Correr para voar (explosão)
8. Estudar os sonhos e registrá-los (todo dia)
9. Ser fiel a meu método de estudo-escrita-leitura (3 mundos e os 7 círculos sagrados)
10. Ouvir músicas feitas por mulheres
11. Tocar violão com poucas notas
12. Alimentar com a fome de uma loba minha coluna do jornal
13. Colher a palavra do meu caderno jardim
14. Pesquisar os símbolos
15. Organizar as finanças
16. Criar acontecimentos
17. Ter ideias-próprias
18. Descobrir os porquês
19. Caçar o mistério
20. Pescar as entrelinhas
21. Semear vida

Carta de agradecimento ao jornal Notícias da Hora
Será difícil remover das linhas do tempo esse adágio da filósofa francesa Simone de Beauvoir que fala dos horrores do mundo, mundo que parece não ter sido feito também para as mulheres: não se nasce mulher, torna-se mulher, porque ser mulher de verdade não é ter uma vagina ou ancas fartas ou saber botar uma mesa ou limpar o chão. Não é, nunca foi, nem nunca será, embora exista a lei selvática que se nos ultrapassa. Ser mulher é uma luta de sobrevivência, um debater-se calado ainda no útero enquanto roubam a nossa expressão e identidade femininas. Depois de nascida, basta cobrir-nos de corpo todo com um pano rosa e pronto, ali mesmo no buliçoso berço já estamos condenadas à opressão do machismo. A opressão age primeiramente na inteligência da alma e depois definha o corpo inteiro da mulher.

Virgínia Wolf, no seu pioneirismo literário, exorbitou-se ao revelar que a inteligência recôndita da mulher é roubada antes mesmo de evolar-se, enquanto ao homem abrem-se todas as portas do paraíso que a Ela são religiosamente lacradas com a chave do apocalipse. Além de tudo, quando o menino é desperto naquilo que nela é latência sufocada nos desvãos da inocência, Ele sabe que em casa não precisará arrumar a cama que dorme, preparar a comida que come e lavar a roupa que veste, tudo isso é reservado à vida privada de uma mulher.

Mas, o que é mesmo ser uma mulher? Sei que o gênero, essa matéria una e divisível, não é feita somente do substrato invisível da gema, há no gênero humano a incógnita centelha que define o que desse plasma é vida, vida em abundância e não importa a orientação sexual em que a pessoa esteja vestida. Como vive, o que pensa, o que faz e o sente uma mulher em sua intimidade? Ora, uma mulher é uma mulher.

Como colunista, o que direi ao mundo sobre o vislumbre da vida de uma mulher?

A coluna servirá às mulheres como um autofalante, todavia, o que poderia ecoar dessa coisa-gritante para dar vozes às mulheres contando apenas com a experiência de quem escreve? Quem sou eu para perscrutar? Não há outro jeito senão falar.

Tenho medo da palavra, para mim o verbo é matéria de salvação. Sei por experiência própria que o grito salva uma mulher, li nos autos. Falar não é somente uma expressão sibilada na boca, antes de tudo é revelar-se, desnudar-se e, sem máscara, todas/os/es nos tornamos insuportáveis. Mas falar é necessário, escutar é urgente. Falar é um jeito de escrever, escrevo o que penso? O que penso me faz agir? Pelas boas ações se conhece uma obra, disse o sábio. Tem um segredo profano que eu não conto; não, conto: é que quando escrevo sinto-me como se estivesse dentro da mente do Deus. Escrever é uma indagação, reflexo de uma coisa que pergunta, disse Clarice em suas obras, ela escrevia por fatalidade de voz. Eu escrevo por sortilégio, porque para mim a palavra é um fabuloso mistério. Aceitei ao convite para escrever esta coluna porque é tão pouco o que se oferece a uma mulher sem que ela humildemente tenha pedido ou heroicamente lutado para conquistar.