Ainda não nos livramos de Bolsonaro, tampouco do bolsonarismo. Mesmo que o Presidente seja derrotado, essa última tarefa será ainda mais difícil. E já que, em uma democracia plural, todas as posições na régua que mede o espectro do pensamento político e ideológico devem ser aceitas, por quais razões haveríamos de querer nos livrar deles? Vamos lá:
"Deus, pátria e família" não era apenas o lema do integralismo brasileiro, de Plínio Salgado. Foi inspirado no fascismo italiano, de Benito Mussolini. "Alemanha acima de tudo" (Deutsch über alles) era o lema do nazismo alemão, de Adolf Hitler. Fascismo e nazismo são espécies de um gênero chamado totalitarismo. Já o bolsonarismo é uma versão do autoritarismo, faceta ainda atenuada do totalitarismo, mas com forte inclinação para este. O bolsonarismo é, portanto, a versão brasileira, em gestação, do fascismo e do nazismo.
Forma do autoritarismo, o totalitarismo se manifesta por ideologias fundamentalistas, de pensamento extremista. Proibição de partidos de oposição, restrições quanto à oposição invidual ao Estado, elevado controle sobre as esferas da vida pública e privada dos cidadãos, linchamento moral e execração pública de adversários são só algumas de suas nefastas características, que incluem ainda, dentre outras, repressão política, ausência de democracia ou fraudes eleitorais, culto de personalidade, controle da economia, censura, vigilância em massa e uso do terrorismo de Estado.
As ideologias totalitaristas se fundamentam na frustração, na raiva, na cólera, no medo. São causa e consequência da intolerância, do monismo ideológico e de suas distintas variantes: o racismo, o machismo, a homofobia, a misoginia, o preconceito de classe e tantas outras formas de discriminação. Sendo assim, são contrárias ao pluralismo, à diversidade, à tolerância e à convivência pacífica entre os diferentes e as diferenças. No Brasil, são fruto de séculos de colonialismo e escravidão e, no Acre, de décadas de coronelismo e barracão.
Segundo o "paradoxo da tolerância", de Karl Popper, as únicas coisas que não se podem tolerar são, justamente, a intolerância e os intolerantes. Esses devem ser combatidos. Não se pode aceitar, transigir ou dialogar com racistas, nazistas, fascistas, homofóbicos... O lugar dessa escumalha é na cadeia. Sem papinho, abracinho ou apertinho de mão.
Lembremos que quando Hitler iniciou sua escalada totalitária na Alemanha, primeiro ele tratou de conquistar maioria no Reichstag (Parlamento Alemão). Se passaram décadas, do início de sua trajetória política, até conseguir isso. Aqui, depois do resultado eleitoral de domingo (02/10), o enredo está ficando cada vez mais parecido. Basta lembrarmos da sequência de fatos históricos que se inicia com as jornadas de junho de 2013, seguem com o impeachment da Dilma em 2016 e culminam com a prisão de Lula e a vitória de Bolsonaro em 2018 para identificarmos a escalada - ainda em curso - da ultra-direita e do totalitarismo no Brasil.
Tal enredo brasileiro não guarda semelhanças apenas com o fascismo e o nazismo, mas também com a história recente da Itália. Depois que a Operação Mãos Limpas "faxinou" o país de sua Máfia, os "faxineiros" se tornaram políticos. A decepção do povo com o pífio desempenho de juízes e promotores alçados a tal condição foi tamanha que o efeito colateral foi a ascensão de um político de extrema direita ao poder: Silvio Berlusconi. A decepção com o desempenho de "Il Cavaliere", por sua vez, foi ainda maior e deu espaço para o surgimento do partido M5E e sua constelação de "estrelas" anarco-digitais. Oriundo do casamento entre o "ás" dos algoritmos, Gianroberto Casaleggio, com o humorista Beppe Grilo, o M5E promoveu a ascensão política dos extremistas de direita Giuseppe Conte, Mateo Salvini e Luigi Di Maio. O mais recente capítulo dessa história, ocorrido agora, no dia 27/09/2022, foi a eleição de Giorgia Meloni, radical de ultra-direita para o cargo de presidente do Conselho de Ministros. Qualquer semelhança com Lava jato, Moro, Dallagnol, Bolsonaro e toda sua camarilha não é mera coincidência.
Sigamos, pois, atentos, vigilantes e dispostos a combater, para todo o sempre, o bolsonarismo e todas as formas de autoritarismo ou totalitarismo. Para o bem da democracia, da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Amém.
*Daniel Zen é doutorando em Direito (UnB). Mestre em Direito, com concentração na área de Relações Internacionais (UFSC). Professor Assistente-A, Nível 1 (licenciado), do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais Aplicadas (CCJSA) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Contrabaixista da banda de rock Filomedusa. Colunista do portal de jornalismo colaborativo Mídia Ninja. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..