Apesar de toda violência a que estamos expostos, as doenças agressivas, aos infortúnios do cotidiano, temos todos como referência o fato de que a morte está relacionada ao passar o tempo, ao envelhecimento. Dessa forma, é natural que no inconsciente das famílias se forme a ideia de que os entes mais velhos vão primeiro.
Órfão é o nome que se atribui a quem perde os pais. Viúvo(a) é aquele(a) que perde seu cônjuge, enfim faz parte da nossa cultura nomear nossas dores identificando-as conforme seu grau, local, razão e consequência social.
A morte de um filho, entretanto, é uma inversão tão brutal e dolorosa da natureza do processo da vida, que a humanidade ainda não conseguiu nomeá-la.
A morte de um filho é uma dor que não tem nome.
Como pai não tenho estrutura sequer para refletir sobre este assunto. Acompanhando agora pela manhã o velório do jovem Anderson Onofre, tentei me colocar no lugar dos seus pais, da Dona Vilma e do Seu Raimundo, mas não resisti por mais do que alguns segundos. Passei mal.
Tenha nome ou não, o fato é que a dor nos nivela enquanto seres humanos. Rica ou pobre; católica ou protestante; judeu ou mulçumano; brasileiro, argentino, venezuelano; de direita ou de esquerda; bolsominion, petralha ou coxinha; poderoso ou subjugado, não importa. A ilusão da separação se desfaz. A dor de um pai e de uma mãe é rigorosamente a mesma.
Não seria este um bom indicativo para lembrar do sentido de unidade que perdemos enquanto sociedade?
A morte desfaz a ilusão de controle, de poder, da vaidade, dissolve as aparências sedutoras da nossa experiência materialista. No fim percebemos que de material nada de fato nos pertence, nunca pertenceu. A morte faz lembrar que nosso maior ativo é o tempo, que não volta, que não negocia, que é imprevisível e não nos permite saber nunca quanto dele efetivamente ainda temos.
Há quem passe pela vida. Há quem apenas sobreviva. Anderson viveu e ainda vive enquanto espírito imortal. Conheceu ainda no começo de sua trajetória terrena o amor de mãe na sua forma mais sublime, aquela que prescinde as experiências físicas da gestação para se estabelecer. Foi amado e amou. Sua passagem neste nosso plano marcou tantos que precisou ser velado aqui e em Fortaleza, onde residia faz pouco tempo.
Abandonou o que era por aquilo que podia vir a ser. Deixou tudo para trás perseguindo seus sonhos, encontrou a felicidade lá no Ceará, fez a passagem enquanto domava o mar e os ventos, fazendo o que gostava, o que o preenchia, o que lhe fazia feliz, quem já viveu conhece a sensação.
Também apaixonado pelo mar, deixei-o em busca da segurança financeira, da estabilidade do cargo público. Depois me acomodei. Fiz bem? Nunca vou saber. Toda escolha demanda renúncia e só conheceremos o caminho que trilharmos. Entre a paixão e a fleuma, a vida se mede pela largura ou pelo cumprimento? A vida se mede? Quem sabe? O que é que eu sei?
Certeza de quem vive, tristeza de quem fica, a morte é sempre um convite para reflexão sobre a própria vida. O que estamos fazendo com o tempo que nos resta? O que de fato é nosso? O que de fato é importante? O que de fato justifica nossa existência? Quanto amor estamos dando e recebendo? Quanto tempo e energia estamos perdendo com sentimentos e circunstâncias que, no fim, não significarão nada? Ter uma vida plena é o quê?
A vida é um sopro.
Edson Rigaud Viana Neto
Secretário de Finanças do Município de Rio Branco. Presidente do Conselho de Administração do RBPREV. Procurador do Município de Rio Branco. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Tributário e Processo Tributário. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..