Além de ter tido um papel essencial na organização dos movimentos sociais e na pacificação dos conflitos pela disputa da terra durante suas três décadas de episcopado no Acre, Dom Moacyr Grechi também foi uma figura-chave durante a atuação do esquadrão da morte entre as décadas de 1980 e 1990.
Liderado pelo ex-coronel da Polícia Militar Hildebrando Pascoal, o esquadrão da morte era formado por policiais e ficou famoso pela sua ação violenta, ao fazer justiça com as próprias mãos, executando desafetos ou criminosos comuns como exemplo para que os demais não desafiassem suas ordens ou atrapalhassem seus planos.
O caso mais emblemático deste período foi o “crime da motosserra”, quando um dos suspeitos de participar da morte do irmão de Hildebrando Pascoal, Itamar Pascoal, teve pedaços de seu corpo jogado em via pública da capital. Baiano, como era conhecido o suspeito, foi capturado pelos homens de Hildebrando, torturado e teve o corpo esquartejado - segundo a denúncia - com o uso de uma motosserra. O crime ocorreu em 1996.
Em meio a este período de violência praticada pelos próprios agentes do Estado, a Igreja servia como um refúgio para as famílias das vítimas e para aqueles que estavam com sua sentença de morte decretada pelo grupo.
O deputado Edvaldo Magalhães (PCdoB) lembra que foi dentro da casa do bispo, localizada ao lado da catedral central de Rio Branco, que se organizaram os primeiros movimentos para enfrentar a atuação do crime organizado. Membros de organizações de direitos humanos, associações e sindicatos fundaram, ali, o comitê contra a impunidade.
“O papel do Dom Moacyr foi evitar mais derramamento de sangue. Muitas pessoas fazem uma leitura errada do papel dele. Ele não incentivava o conflito e nem o confronto. Ele não permitia que os mais fracos fossem atropelados, que os injustiçados fossem injustiçados. Ele pregava o diálogo. Era o ponto de equilíbrio.”, diz Magalhães.
“A presença dele evitou mais mortes, evitou mais conflitos.” Ainda na noite da última segunda, 17, quando foi anunciada a morte de Dom Moacyr aos 83 anos em Porto Velho, o advogado Sanderson Moura - que defendeu Hildebrando Pascoal no julgamento do crime da motosserra - usou sua rede social para destacar este papel conciliador e de equilíbrio do religioso.
Uma das cenas que marcaram o julgamento (realizado em 2009) foi o momento em que, encerrada sua participação como testemunha de acusação, o bispo foi cumprimentar Hildebrando sentado no banco dos réus. Naquele ano, havia uma década que o ex-coronel cumpria prisão em regime fechado. Juntas, suas sentenças ultrapassavam um século.
“Fiz poucas perguntas a ele [Dom Moacyr], pois seu testemunho foi comedido e sem os excessos partidários da época, decepcionando um pouco a acusação, pois se esperava dele um depoimento-bomba”, escreveu Moura. Para o advogado, aquele aperto de mãos foi “caloroso e conciliatório”.
“Quando quiseram negar benefícios legais a Hildebrando, Dom Moacyr falou: ‘Se ele tem direito, que seja dado o direito a quem tem. Quem somos nós para julga?’”, lembrou o criminalista.
Na história política-policial daquele período, diz-se até que Dom Moacyr sabia de muitos dos atos praticados pelos membros do esquadrão da morte, pois era com ele que iam confessar seus pecados. Dom Moacyr foi leal ao seu sacerdócio, sempre deixando estas confissões onde deveriam ficar: no confessionário.
E é lá que ainda está registrada uma parte daquele período da história recente do Acre.