Depois da engorda de bois que não nasceram nas Fazendas Reunidas Boi Gordo e dos telefones da Telexfree que não davam linha, uma nova onda de investimentos suspeitos de prática de pirâmide financeira cresce pelo Brasil. Os supostos esquemas, agora, envolvem as moedas virtuais, ou criptomoedas, como o bitcoin. As empresas prometem ganhos de até 50% ao mês sobre o capital aportado pelos investidores.
Essas empresas estão sob a mira do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional. Nos últimos meses, as autoridades fecham o cerco sobre esses grupos que, segundo a polícia, apresentam-se disfarçados de empresas de investimentos. Supervisionado por essas autoridades, um grupo anônimo de hackers formado por integrantes do mercado de criptomoedas identificou mais de 50 empresas do gênero em atividade pelo Brasil no momento.
Com base em decisões recentes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cruzando com investigações em curso pela Polícia Federal e denúncias do Ministério Público, a reportagem chegou a sete dessas empresas.
Todas são tocadas por empresários já conhecidos pela polícia, com histórico de envolvimento em outras pirâmides financeiras.
Líderes de empresas suspeitas passaram por outras pirâmides
As autoridades estimam que esses negócios movimentam algumas dezenas de bilhões de reais e que tenham arregimentado, pelo menos, 4 milhões de pessoas. Apenas uma dessas empresas, a FX Trading, contava, segundo a própria empresa, com quase 2 milhões de investidores no final de junho.
De acordo com as autoridades, o alto crescimento desses negócios está no fato de que eles realmente pagam aquilo que prometem no início aos participantes. O dinheiro para os saques seria proveniente dos novos aportes, realizados pelo crescimento da base de clientes, e não resultado dos investimentos que eles dizem realizar.
Para se ter uma ideia, enquanto uma aplicação de renda fixa como um CDB emitido por uma banco de grande porte rende entre 5% e 6% ao ano, as empresas que operam nesse modelo divulgam lucros de 20%, 30% e até 50% ao mês sobre o capital investido.
E, para pagar esse “lucro”, as autoridades dizem que as empresas precisam aumentar sua base de participantes pelo menos de forma proporcional. “Uma empresa que diz pagar 15% de juros ao mês, precisa aumentar sua base de vítimas em pelos menos 15% ao mês”, explica Guilherme Helder, delegado da Polícia Federal do Espírito Santo, que investiga algumas dessas empresas.
Como justificativa para esses rendimentos turbinados, as empresas divulgam vídeos e fazem encontros presenciais com possíveis interessados. Nelas, recorrem ao histórico de oscilação do bitcoin, moeda virtual que, no final de 2017, alcançou uma valorização de quase 1.000% em um ano, chegando a US$ 20 mil - para desabar na sequência e nunca mais recuperar esse patamar.
Os empresários do ramo afirmam aos investidores serem capazes de multiplicar essa oscilação com a técnica da arbitragem internacional das moedas (comprar barato em um país para vender mais caro em outro).
Especialistas, contudo, duvidam da técnica. Segundo eles, apesar de lucrativa, essa arbitragem não é garantia de sucesso há pelo menos dois anos e, mesmo no passado, sempre dependeu de fatores externos ao interesse do operador para ser bem-sucedida.
“Hoje existe uma diferença do preço do Brasil para o exterior, mas é bem menor”, diz Raphael Soffieti, especialista em criptomoedas do Zero Bank. “Até o começo de 2017 existia uma diferença no preço do bitcoin do Brasil para os Estados Unidos de até 15%. Quando começaram a entrar grandes players no mercado, incluindo bancos, essa diferença caiu praticamente para zero. Hoje podemos falar tranquilamente que essa diferença chegou a 1% e, muitas vezes, ela nem existe.”
HACKERS E AUTORIDADES
Das sete empresas identificadas pela reportagem, uma se tornou alvo de uma operação da Polícia Federal, no dia 21 de maio, outra foi denunciada pelo Ministério Público no começo de junho, e outras duas deixaram de operar, concluindo o golpe, na opinião dos investigadores. Em pelo menos um desses casos, da empresa King Investimentos, o fim da operação acabou em caso de polícia. Furiosos, os investidores invadiram a sede do empreendimento na cidade de Rondonópolis, em Mato Grosso, depredaram as instalações e agrediram funcionários.
“A volatilidade das criptomoedas por si só já demonstra que o sistema de rentabilidade fixa nesses modelos de empresas é uma bola de neve em que uma hora novos investidores estarão na verdade remunerando a rentabilidade dos anteriores, o que caracteriza o modelo piramidal, conhecido pelo mercado como esquema de ponzi”, diz a Procuradora da Fazenda Ana Paula Bez Batti.
Segundo ela, a falta de regulamentação do mercado de criptomoedas, onde não há sequer a obrigatoriedade de identificação no momento da abertura de um cadastro nas corretoras especializadas, leva muitas empresas que ela reputa de má-fé a ocultar o registro de seus domínios na internet. “E sumirem com o dinheiro de seus clientes, dificultando para as autoridades identificar os atores dessas fraudes”, conta.
Uma das empresas suspeitas de pirâmide com criptomoedas é a FX Trading, de Philip Wook Han, um brasileiro filho de sul-coreanos, nascido em Foz do Iguaçu (PR). Ele já é investigado pela Polícia Federal por outro esquema de pirâmide, o iFreex, no Espírito Santo e, recentemente, foi alvo de um ato declaratório da CVM, órgão que regula o mercado de capitais no Brasil.
A CVM proibiu a atuação da FX no mercado de valores mobiliários e determinou a suspensão imediata de veiculação de qualquer oferta, sob pena de multa de R$ 1 mil por desrespeito da decisão. A empresa segue em operação. Recentemente, Philip Han colocou quase 7 mil pessoas dentro do Credicard Hall, casa de shows tradicional da zona sul de São Paulo, em um evento de motivação para a FX, decorado por sua coleção de carros importados, que inclui Ferraris vermelhas e McLarens amarelas.
O principal chamariz da FX é a promessa de um retorno de 30% ao mês, com a arbitragem de criptomoedas. Os pacotes de investimento começam em US$ 100 por mês, com lucro de US$ 40. Quem aportar US$ 50 mil terá, segundo a empresa, retorno de US$ 20 mil, com pagamentos aos aplicadores todas as segundas e sextas-feiras. A empresa se diz sul-coreana e, em posts simples nas redes sociais e mensagens de WhatsApp, afirma que está presente em mais de 200 países, com 7 milhões de clientes ativos.
A polícia, contudo, afirma que a FX Trading é operada do Brasil por Philip Han, que hospeda os sites no exterior para dificultar a ação das autoridades.