Descobri os encantos do agronegócio durante o período que fui servidor da CONAB, empresa pública federal vinculada ao Ministério da Agricultura. Ingressei como Procurador, mas com poucos meses de empresa tive a sorte de ser deslocado para função de gestão da Superintendência Regional Bahia e Sergipe. Trabalhávamos em duas perspectivas diferentes, mas igualmente cativantes. O apoio à Agricultura Familiar, principalmente através do PAA - Programa de Aquisição de Alimentos e, mais diretamente relacionados à produção empresarial em larga escala, atuando na equalização de preços e do abastecimento através da PGPM – Política de Garantia de Preços Mínimos.
Com o PAA testemunhei a efetiva possibilidade de transformação social através de políticas públicas bem pensadas. Claro que encontramos problemas e desvirtuamentos, mas o mercado institucional de alimentos promoveu significativa melhora na qualidade de vida de inúmeras famílias no interior da Bahia e em Sergipe.
Conheci histórias muito bonitas. Convivi com grandes figuras humanas. Aprendi muito com produtores rurais que muitas vezes não sabiam assinar o nome sem olhar para o documento de identidade. Muita gente iluminada encontrei pelo caminho.
Vi também a fome bem de perto, a seca, a pobreza e como conseguíamos driblá-la incentivando a produção. Vi uma cooperativa de produtores rurais (www.coopercuc.com.br), nascida nas condições mais adversas do Sertão da Bahia, com a ajuda do PAA, se organizar, se estruturar, se profissionalizar, crescer e passar a exportar produtos de umbú (fruta lá do sertão) para França, Alemanha e Áustria.
Tive várias oportunidades de me reunir com gente simples, alguns sem escolaridade, castigada pela seca, que se aglomerava em casas de taipa (estruturas feitas com gravetos/madeiras e revestidas com barro) para ouvir sobre a oportunidade de se organizar e começar a produzir, pois sua produção poderia ser adquirida pelo mercado institucional, garantindo-lhes renda, e daí poderiam alcançar outros mercados. Vi mulheres se emanciparem do machismo e da violência através da independência financeira, que a venda dos seus produtos lhes trazia.
A PGPM também encanta. Nasceu daí a curiosidade com a economia, que me acompanha desde então. No agronegócio as leis de mercado se revelam de forma muito mais perceptível para um leigo, como eu. Sobretudo em função da homogeneidade dos produtos, que inviabiliza atuação proativa do produtor na definição de preços (produtor é basicamente um tomador de preço), as repercussões da oferta e demanda são muito mais intuitivas, rápidas e de fácil entendimento.
Acompanhava a produção do cone sul de Rondônia, do Mato Grosso, dentre outros Estados, tentando antecipar a dinâmica de preços que afetaria nossa produção, sobretudo a de soja, milho e algodão do Oeste da Bahia. Ficava fascinado com a repercussão de nossos instrumentos de atuação no mercado na formação dos preços, mas com o boom dos preços de commodities agrícolas naquele período e os baixíssimos níveis de estoque público, basicamente passamos a assistir aquele excelente momento do mercado.
Nomeado para Procuradoria do Município de Rio Branco, apesar de representar um retorno ao mundo jurídico, cheguei ainda contaminado pelo vírus do agronegócio e com grande expectativa de conhecer a produção acreana. Fiquei surpreso com a nossa dificuldade.
Aprendi naquelas reuniões com produtores, nas humildes casas de taipa, que o maior desafio da política é conquistar a confiança antes do êxito. Facilitava a conquista dessa confiança o diálogo claro e honesto acerca do planejamento. Onde iremos chegar? O que faremos para isso? O que estamos fazendo agora? Quais etapas serão vencidas? Quanto tempo e sacrifícios serão necessários?
Qual o nosso plano? O diálogo público claro mantem viva a utopia.
O Boletim Trimestral do Agronegócio, produzido pelo Fórum Permanente de Desenvolvimento do Estado do Acre, demonstra que precisamos de mobilização. O saldo de empregos no seguimento do Agronegócio foi de -93, ou seja, foram reduzidas quase cem vagas de emprego. O abate de bovinos caiu 9% em relação ao primeiro trimestre de 2018 e 7,3% em relação ao trimestre imediatamente anterior. A aquisição de leite cru caiu 6,1% em relação ao primeiro trimestre de 2018 e 26,8% em comparação ao trimestre imediatamente anterior.
À exceção da cana de açúcar, que teve uma elevação de 218%, todas as demais culturas levantadas tiveram uma significativa redução em relação ao primeiro trimestre de 2018. O saldo da balança comercial do agronegócio do Acre foi 19% menor que o primeiro trimestre de 2018, com as exportações caindo 20%.
O cenário apresentado pelo documento é desafiador, demanda muito trabalho e paciência, pois os resultados não virão do dia para noite. Além da necessidade de ter um planejamento claro, me parece que convém avaliar nossas potencialidades no mercado institucional, as maneiras que eventualmente existam de tornar mais eficiente a circulação dos recursos públicos em benefício da nossa economia local.
Todos os anos o Estado, o Município de Rio Branco, enfim todas as Prefeituras compram milhares e milhares de litros de leite para merenda escolar, por exemplo. Entretanto, não temos indústria de processamento UHT (longa vida) no Estado, boa parte do dinheiro, que podia ficar com produtores locais, derrama por nossas fronteiras. Prefeito Marcus Alexandre pretendia incentivar o segmento.
Noutra quadra, segundo dados do IBGE, a produção de leite no Município de Rio Branco caiu de 14.710.000 litros em 2007 para 3.020.000 litros em 2017. Queda vertiginosa na produção local, mas a demanda certamente aumentou. Será que há algo que possa ser feito? Se justificaria economicamente?
Há como incentivar nossos produtores a investirem? O recente encerramento do laboratório de melhoramento genético do Estado, que funcionava nas dependências da EMBRAPA, parece apontar para uma resposta negativa. Se neste caso não compensaria, talvez existam outros a serem examinados.
O que não podemos é chorar o leite derramado, ainda mais quando nossa tentativa de multiplicação dos peixes ainda não deu certo. O agronegócio é nossa vocação, há como produzir de forma sustentável, temos grande expectativa de que o Estado conseguirá alavancar a produção para gerar emprego e renda. No mais, paz, a energia que se gasta nos conflitos deixa de ser canalizada para resolução dos problemas. Eu acredito, ainda estou na utopia.
* Edson Rigaud Viana Neto
Secretário de Finanças do Município de Rio Branco. Presidente do Conselho de Administração do RBPREV. Procurador do Município de Rio Branco. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Tributário e Processo Tributário. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
Do leite derramado à multiplicação dos peixes. Agronegócio no Acre, utopia ou distopia?
Edson Rigaud