Andei pensando, esses dias, sobre o estágio terminal da minha depressão, o ponto de não retorno que, sem perceber, eu ultrapassei nalgum ponto do caminho. Em meio ao torvelinho das ideias suicidas, que me consomem os dias e as noites, algo inusitado chamou-me a atenção: o Flamengo não me comove nem me encanta mais!
Esse fato - sem importância, talvez, para os que relativizam as doenças psíquicas - pode ser significativo para um depressivo grave como eu. Foi nesse "insight", justamente, que eu senti, pela primeira vez, o gostinho acre da morte. A gravidade do meu quadro é, porém, um alívio, e não um fadário, porque, de fato, o que eu desejo é ser curado na sepultura, o único lugar onde zeram as tensões do aparelho psíquico.
Até 2013, o único evento que me animava era assistir aos jogos do Flamengo. Era uma espécie de catarse, quase uma terapia de hipnose. Eu bebia a minha cerveja e, anestesiado, me desligava do meu universo depressivo e sorumbático. "Matar" os adversários no campo, projetando-me nos jogadores, era uma forma de gratificar a minha própria pulsão de morte.
O que aconteceu, então, de lá para cá?
Eu perdi o único prazer que tinha na vida: para surpresa de muitos que se imaginam meus amigos, eu não assisto a um jogo do Flamengo desde 2013; há seis anos, portanto. Leio, por alto, as notícias no dia seguite aos jogos, sem, contudo, me alegrar com as eventuais vitórias.
Se estou animado com a possibilidade de titulos este ano? Nem um pouco, para ser sincero! Eu sequer acredito que o Flamengo irá ganhar algo. Nas manhãs seguintes aos jogos, eu confiro os resultados, não por interesse ou deleite, mas para testar o meu pessimismo doentio. Faço-o com a certeza da derrota, a mesma derrota existencial que autoproclamei para a minha vida. Esse derrotismo atroz vai muito além da consciência, moldando e definindo, significando e controlando, inconscientemente, o zumbi que eu me tornei. Eu até me surpreendo, quando erro o prognóstico, e o time vence.
A verdade, um alívio para mim, é que eu alcancei o estágio da depressão em que já deixei de acreditar em qualquer forma de prazer que não seja dilacerante, que não se torne uma tortura emocional a justificar e reforçar a minha irresistível pulsão de morte. Quanto pior ficar, mais breve será o desfecho... Viver é uma prioridade sua, não minha. Por isso, enfie o seu julgamento naquele lugar!
Hoje, eu posso dizer que o Flamengo já não me importa mais. Aliás, nada nem ninguém me importa; se as pessoas vivem ou morrem é problema delas. O destino do mundo torna-se irrelevante para quem amanhece o dia sem saber se irá resistir à luta entre a pulsão de morrer e a ilusão de viver.
Não assisto nem assistirei aos jogos do Flamengo. Não confio em títulos nem irei me alegrar, se eles, eventualmente, vierem. O meu interesse pelo Flamengo, que tanto me encantou um dia, tornou-se uma encenação burlesca de falso gozo. Nesse momento, o que eu desejo é encontrar motivos para não viver.
A diferença, depois desse "insight", é que eu descobri que não preciso mentir ou fingir no caminho que me leva à forca...
Jorge Araken Filho, apenas um depressivo encarando o seu precipício existencial...