A passagem da forte massa de ar polar que derrubou as temperaturas no Acre no fim da semana passada trouxe um certo alívio para a população quanto ao desconforto causado pelo intenso calor, além de ter limpado o ar da fumaça das queimadas. Contudo, por ter sido uma frente fria bastante seca - trazendo pouquíssimo nível de chuvas - ela pode agravar a situação de um “verão amazônico” com previsão de ser um dos mais intensos e secos dos últimos anos.
Em maio, a agência espacial americana, a Nasa, divulgou estudo apontando que, entre os estados da Amazônia brasileira, o Acre é o que tem a maior probabilidade de ser atingido por incêndios florestais: 85%. O principal motivo para isso, segundo a Nasa, é o aquecimento das águas do Oceano Atlântico, que tem como principal efeito a redução da umidade na parte mais sul da Amazônia e uma concentração maior ao norte.
O fenômeno é conhecido pela sigla em inglês AMO, cuja tradução para o português é Oscilação Multidecadal do Atlântico. Este foi o mesmo fenômeno que levou o Acre a sofrer uma seca severa no ano de 2005, que provocou a queima de 350 mil hectares de floresta em pé.
Antes da passagem da frente fria, o clima no Acre já estava muito seco por conta do baixo volume de chuvas registrado desde meados de julho. Os fortes ventos gelados que sopraram no estado durante os últimos dias contribuiu ainda mais para se reduzir a umidade relativa do ar, deixando o ambiente bastante seco. Essa baixa umidade é o que os cientistas chamam de estresse hídrico, que cria a “tempestade perfeita” para que queimadas feitas em roçados ou pastagens adentrem na floresta fechada.
“Toda vez que a gente tem uma friagem, a tendência é que ocorra uma diminuição da umidade. E essa que passou não tivemos grandes chuvas. Há a perspectiva que tenhamos um quadro de piora dos incêndios, na medida em que a umidade vai baixar””, explica o professor e pesquisador da Universidade Federal do Acre (Ufac) William Flores, doutor em Ciências das Florestas Tropicais.
“Quando falamos em estresse hídrico nós estamos, em tese, falando direta ou indiretamente da redução de umidade no solo que vai causar um prejuízo para o bom funcionamento das plantas, das árvores. Ou seja, teremos um estresse por falta de água.”
“Uma árvore funciona como se fosse uma bomba d’água. Como todo e qualquer ser vivo, ela usa muita água. Quando você tem muita disponibilidade de água essa bomba funciona de forma positiva. Mas quando temos uma situação de baixa pluviosidade, que é o caso agora, a planta via contribuir para a redução da umidade do solo, ela vai absorver mais água, fazendo com que tenhamos uma condição de seca do solo. Com o soco selo ela vai buscar água no seu entorno, que são os galhos e as folhas ainda úmidas caídas no chão”, completa ele.
Ao ter sua água puxada pelas árvores, toda vegetação vai secar, transformando-se em material combustível, propenso a pegar fogo. Se antes aquelas folhas e galhos úmidos serviam como barreira para a entrada do fogo feto num roçado próximo, por exemplo, agora há muito mais chances daquela queimada se transformar num incêndio florestal.
Foram essas as condições ambientais que levaram o Acre a sofrer com grandes incêndios no interior da floresta em 2005 e 2010. Este ano o estado tem conseguido reduzir sua quantidade de focos de queimadas, quando comparado com igual período de 2019, ano em que as queimadas ficaram quase fora de controle. Segundo dados do Inpe, o Acre diminuiu em 20% a quantidade de queimadas detectadas por seus satélites.
Saber se essa redução vai se manter até o fim da temporada seca que tende a ser mais longa não se sabe. Ainda há o mês inteiro de setembro pela frente, marcado por altas temperaturas e baixa umidade, também marcado por um número elevado de queimadas.
Mais queimadas representam mais fumaça sendo expelida para o ar respirado pelos acreanos.
Leia mais sobre a situação das queimadas no blog do Fabio Pontes