Além de irregularidades no processo, atividade tem potencial de causar danos sociais e ambientais aos povos originários
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública contra a Agência Nacional de Mineração (ANM), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a União por irregularidades no processo de autorização da mineração em terras indígenas no Acre. Na ação, o MPF aponta que há atividade de mineração em áreas fronteiriças com o território ocupado pelos povos originários com potencial de causar impactos sociais e ambientais negativos nas comunidades indígenas próximas.
Nesse sentido, o MPF pede a suspensão imediata de todos os títulos minerários expedidos e autorizados nas áreas vizinhas a terras indígenas no estado, além da suspensão dos processos administrativos relacionados à pesquisa e exploração mineral nos locais, de modo a vedar a expedição de novas autorizações para mineração. O MPF ainda requer a fixação de multa no valor de R$ 50 mil por dia de atraso no cumprimento das obrigações.
Assinada pelo procurador da República André Luiz Porreca Ferreira Cunha, a ação busca a declaração de nulidade de todas as licenças e títulos minerários expedidos e autorizados pela ANM até o momento e a determinação para que a Agência não expeça novas licenças e requerimentos para áreas fronteiriças a terras indígenas no estado do Acre. Além disso, pede que a União e a Funai sejam obrigadas a observar o procedimento de consulta prévia, livre e informada nas hipóteses de qualquer empreendimento minerário que possa gerar impactos adversos aos povos indígenas e comunidades tradicionais.
Para o procurador, a Agência Nacional de Mineração expediu indevidamente títulos minerários nas áreas próximas a terras indígenas no estado, enquanto a Funai “sequer tinha conhecimento dos títulos minerários que impactam gravemente os direitos dos povos indígenas no estado do Acre”. Quanto à União, ele explica que, além de ser a responsável por titularizar a propriedade das terras indígenas, representa o Estado Brasileiro no plano internacional.
O representante do MPF ainda lembra que o Brasil é parte na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), principal instrumento jurídico de proteção aos direitos dos povos indígenas. Segundo ele, a atividade irregular de mineração objeto da ação pode ter violado direitos previstos pelo normativo internacional, especialmente em relação à consulta e consentimentos prévios, livre e informados dos povos indígenas.
Histórico – A ação é resultado de inquérito aberto em 2020 para apurar irregularidades no processo de mineração em terras indígenas no Acre e foi ajuizada por um dos ofícios da Amazônia Ocidental em Manaus, especializado na temática de garimpo e mineração na região. No início das investigações, o Instituto Socioambiental (ISA) informou a existência de 4.495 requerimentos minerários com sobreposição a terras indígenas e unidades de conservação de proteção integral. Segundo o ISA, a área apresenta uma variedade de substâncias, com destaque para o ouro. Em 2021, a AMN informou ao MPF a existência de 26 requerimentos de pesquisa para prata e areia nas terras indígenas de Nukini e Katukina/Kaxinawá.
Ao analisar o caso, as Câmaras de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) e Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR) do MPF concluíram que era necessário tomar conhecimento dos impactos das atividades que os requerimentos de pesquisa nas terras indígenas de Nukini e Katukina/Kaxinawá poderiam causar.
Dando continuidade às investigações, análise de recortes topográficos evidenciou a existência de diversos processos minerários em áreas limítrofes a terras indígenas, além de alguns que chegam a tocar os limites conhecidos dessas terras. Diante das informações, o MPF tornou a questionar a ANM, a Funai e o ISA acerca das consequências socioambientais às comunidades.
De acordo com o ISA, as atividades de mineração têm o potencial de causar impactos sociais e ambientais negativos nas comunidades indígenas próximas. Segundo o instituto, esses impactos podem ser causados pela própria atividade de mineração e, também, pela infraestrutura necessária para apoiar as operações de extração de recursos minerais, como a construção e utilização de estradas e linhas de energia. Por sua vez, a Funai ressaltou que as atividades de mineração próximas às terras indígenas podem ter impactos sociais e ambientais negativos, mas a extensão dependerá do projeto específico.
Por fim, em fevereiro deste ano, representantes da Funai realizaram reunião virtual com o procurador da República responsável pelo caso para discutir diversas questões relacionadas ao impacto da mineração nas proximidades de terras indígenas. Na ocasião, a fundação reconheceu que atividades de mineração em áreas próximas a terras indígenas podem gerar consequências socioambientais negativas.
Pedido de urgência – Para o MPF, o pedido de tutela de urgência se justifica tendo em vista que AMN pode conceder, caso compreenda tratar-se de ato válido, novas outorgas para lavra e/ou pesquisa em áreas sensíveis aos povos Katukina/Kaxinawá, Nukini, Puyanawa e outros que habitam o Acre, sem qualquer consulta prévia, livre e informada aos povos afetados, tampouco participação da Funai. Ainda segundo o procurador da República, com a manutenção da validade de títulos minerários já outorgados, “a população indígena local estará exposta a um perigo não mensurado pelo órgão ambiental, tampouco pela fundação indigenista”.
André Luiz Cunha também aponta o perigo de dano, tendo em vista que a atividade de mineração prejudica seriamente o equilíbrio ambiental e social, especialmente diante do potencial conflito que pode se instaurar no local onde se pretende iniciar a lavra ou pesquisa garimpeira. “O perigo de dano decorre ainda do dano ambiental grave e irreversível provocado à população local com o início de eventual pesquisa e/ou extração mineral, pois com o apurado, não é possível dimensionar os danos causados às comunidades pela atividade em área tão próxima”, pontua.
Ação Civil Pública nº 1002408-60.2024.4.01.3000