Após surto da Covid-19 na “Princesinha do Acre”, moradores se esconderam em casa e os comércios fecharam as portas. Escolas suspenderam as aulas sem data para retorno. Empresários amargam prejuízos ainda sem contabilidade e o setor de saúde sofre com a falta de profissionais e materiais necessários
Até a sexta-feira, dia 03, o pequeno município de Acrelândia registrava 45,88 casos de Covid-19 para cada 100 habitantes, o maior índice proporcionalmente do país. Na conta geral, o município já havia marcado nove casos positivos na estatística da Secretaria de Saúde do Acre (Sesacre), divulgada no sábado, dia 04. A cidade tem 15 mil habitantes.
Acrelândia é uma das cidades mais pacatas do Acre. Distante pouco mais de 100 quilômetros da capital Rio Branco, sobrevive principalmente da agricultura, tendo o poder público como mão forte para girar a economia municipal. Contudo, a cidade parou após um verdadeiro surto do novo coronavírus que assola as casas e comércios.
A cidade outrora conhecida como a “Princesinha do Acre”, agora vive dias de medo. Os comércios estão fechados, e os empresários da cidade amargam um prejuízo ainda sem contabilidade. Na área de saúde, poucos profissionais tentam dar conta da demanda e da contenção do surto. Na educação, tudo fechado, e sem previsão de retorno.
Quem passa pelas ruas do Centro, ou vai aos mercados da cidade, percebe logo que algo está errado. As igrejas estão fechadas, e nem a igreja matriz da cidade abre as portas nesses dias de pandemia. Um cenário de frustração para quem plantou, mas não pode vender. Preocupação ao comerciante que está impedido de trabalhar.
O vendedor Francisco Divino, de 26 anos, é uma das vítimas do surto. Apesar de não ter contraído o vírus, o jovem, que sonha com o graduação em administração, perdeu o emprego após o patrão dele dizer que sem funcionar não teria como pagar os salários de Divino e das demais colegas.
“A primeira reação que eu tive foi de ficar em choque, porque a gente começou a perceber que as coisas iam piorar. Naquele dia tinha dois caos que o pessoal estava falando, mas oficialmente ninguém confirmava ainda, porque estavam esperando os resultados, mas a gente sabia que tinha e não sabia quem era”, relata.
O medo de Divino é semelhante ao receio de Ana Paula Batista, de 30 anos, que atua na cidade como manicure e pedicure. Autônoma, conta que está sem dinheiro porque apesar de ser chamada, teme ir trabalhar e acabar infectada. Ana Paula acredita que há dezenas de casos na cidade ainda sem registro por pelas do setor de saúde.
“A gente não sabe quem é quem. Esse vírus aí não avisa que está entrando na gente, e como eu trabalho com as mãos, os pés, pegando nas pessoas, como que eu vou trabalhar? E se essa pessoa estiver com esse coronavírus? Se eu pegar, vou passar para os meus filhos, para o meu marido. Não sei mais o que fazer!”, desabafa.
Se o comércio está fechado na Princesinha do Acre, em Rio Branco, ou em Plácido de Castro – cidade que fica a 30 quilômetros do Centro de Acrelândia-, os veículos dos moradores não gastam combustível. Como consequência, os postos de combustíveis sobre impacto direto. Além de demitir, há o risco de fechar as portas de vez.
“Aqui, para você ter ideia, desliguei 20% do meu quadro de funcionários, e estou na empresa direto. Houve uma queda, por baixo, de 40% nas vendas, porque as pessoas não estão saindo. Mesmo que eu possa funcionar, as pessoas não estão vindo abastecer, e isso gera baixa no faturamento”, diz o empresário do setor, Júnior Dantas.
SAÚDE – O setor de saúde, em todo o mundo, sofre fortes e negativos impactos com a disseminação do novo coronavírus. Em Acrelândia, onde o serviço público é deficitário em dias comuns, a situação não seria diferente: faltam estrutura física adequada, profissionais qualificados e materiais de proteção individual.
As deficiências de Acrelândia não são muito diferentes das percebidas em outras cidades do Acre. Na cidade, por exemplo, a Unidade Mista de Saúde precisou adaptar as rotinas e isolar metade do hospital para receber todo e qualquer paciente que apresente os sintomas da Covid-19.
Logo na entrada, a orientação é clara: obedecer a distância entre os profissionais e o paciente. Há uma fita zebrada exatamente onde começa a margem de distância. E se o paciente estiver com os sintomas, a saída é pela direita, imediatamente, sem contado com os funcionários. Acessa, portando, a “Ala Suja”, onde o médico avalia o paciente.
A enfermeira Maiara Martins é uma das profissionais responsáveis por receber e avaliar o quadro dos pacientes na pré-consulta, também conhecida “classificação de risco”. Aqui, ao chegar e falar do que está sentindo, de pronto o paciente recebe uma máscara, e em seguida já vai para o setor reservado a esse tipo de paciente.
“Aqui, nós já contabilizamos três servidores infectados pelo novo coronavírus. Todos eles, identificados os sintomas, passam a ser monitorados, diariamente, direto de casa. É essa a recomendação do Ministério da Saúde, e esse é o procedimento seguido aqui na unidade. Esse profissional é afastado imediatamente e fica em casa”, explica.
Maiara, que também é coordenadora do setor de Vigilância Epidemiológica de Acrelândia, explica que existem unidades referência na cidade especificamente para os populares que suspeitem estar com a Covid-19. A unidade do Programa de Saúde da Família, escolhida para isso, fica a 150 metros da unidade mista.
“É uma situação inusitada, e a gente teve que se adequar a esse momento. Com relação ao apoio, o Estado e Município estão a cada dia mais alinhados nas medidas. O secretário estadual enviou uma equipe para cá, justamente para acompanhar esse nosso serviço aqui, e isso melhora as ações”, comenta a enfermeira.
CALAMIDADE PÚBLICA – A pandemia que assola Acrelândia exigiu do Poder Público medidas à altura. Após o decreto de situação de emergência, o prefeito Ederaldo Caetano decidiu decretar calamidade pública no setor de saúde. Com isso, é possível gastar mais do que o previsto no orçamento e não ser punido pelo Tribunal de Contas ou questionado pelo Ministério Público.
Com o “cheque em branco” autorizado pela Assembleia Legislativa, o prefeito está com dinheiro em caixa para comprar, mas não consegue fornecedores que tenham produtos para entregar, principalmente materiais de proteção individual que serão entregues aos profissionais que atendem a população.
O secretário municipal de Saúde, Sebastião Rita, é enfático em dizer que tudo o que pode ser feito, está sendo colocado em prática pela gestão municipal. Quem chega à cidade se depara com uma barreira sanitária. Todos, sem exceção, são parados e orientados sobre como agir na cidade para se precaver do vírus.
“Estamos fazendo conscientização, com som na rua, pedindo que as pessoas permaneçam em casa. Estamos tentando colocar em prática o decreto para fechar os comércios, mas algumas pessoas vão em desencontro, mas estamos. Com o decreto de calamidade, vamos poder comprar esses produtos com valores acima do preço normal”
Segundo Rita, os recursos enviados pelo governo federal já estão na conta da prefeitura, e agora a equipe da secretaria atua para adquirir os materiais necessários e tentar conter o surto e fazer com que os serviços tanto da prefeitura como do comércio em geral volte ao normal, e a população não sofra tantos prejuízos.
“O Ministério da Saúde disponibilizou esse recurso de forma per capta, sendo R$ 2,70 por cada habitante, sendo para a gente R$ 42 mil. Vamos a partir de domingo mesmo estar em contato com os nossos fornecedores, para ver como conseguimos mascaras, álcool em gel, e aventais, para os nossos profissionais”, destacou o secretário.
O secretário destaca que mantém cooperação direta com a secretaria estadual. “Nós temos as unidades piloto aqui na cidade, mas quando paciente está em estado muito grave, que precisa de transferência, a gente já faz contato e a ambulância vem buscar e leva pra a UPA do 2º Distrito em Rio Branco”, pontua.
RESTRIÇÕES – Sebastião Rita comentou acerca da dificuldade d e manter os comércios da cidade fechados. Revela que pediu apoio do setor de segurança estadual e até do Exército, mas não obteve ajuda de nenhuma das duas instituições. Assim como o governo do Acre, somente produtos ou serviços de primeira necessidade podem ser vendidos.
"Até hoje não tivemos apoio da Polícia Militar, nem do Exército, que nós já pedimos. Apenas os serviços essenciais podem funcionar, mas com restrições, com os funcionários na porta higienizando os que entram, com álcool nas mãos. Os templos religiosos estão suspensos, todos eles”, completa.