O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Acre (MPAC) enviaram recomendação conjunta ao Governador do Acre e ao Comandante da Polícia Militar do Acre com uma série de medidas para cessar a imposição de padrões estéticos e de comportamentos aos alunos dos colégios militares estaduais de ensino fundamental e médio ``Dom Pedro II" e "Tiradentes'', da rede pública estadual de ensino.
Segundo o Ministério Público, o Regulamento Disciplinar dos colégios militares incorpora, nessas escolas, a rotina e a cultura militares, a exemplo de cumprimento com continência, comemoração solene de datas cívicas, formaturas matinais e vespertinas, fiscalização diária da apresentação pessoal dos alunos, aplicação de instrução militar, dentre outras. Para os membros do MP, em razão desses regimentos disciplinares e da atuação dos militares nas escolas, são impostos aos alunos padrões estéticos e de comportamento baseados na cultura militar, sem qualquer relação ou potencialidade para a melhoria do ensino.
A recomendação frisa que a Lei n. 3.362/2017, que cria os colégios militares no Acre, prevê que no máximo 50% das vagas dessas escolas serão ocupadas por filhos de militares, sendo as demais vagas destinadas à comunidade. Ou seja, diferentemente dos colégios militares que possuem público específico, com a maior parte das vagas reservadas a filhos de militares - que buscam essa opção baseada na hierarquia e disciplina, cuja finalidade é formar futuros militares -, os demais colégios públicos são voltados para a comunidade em geral, composta por pessoas de diferentes personalidades e vocações, e que devem formar os alunos com base no pluralismo e na tolerância, com respeito e incentivo as individualidades e diferenças socioculturais.
O documento relembra que a Constituição Federal relaciona como fundamentos da República a cidadania, o pluralismo político e a dignidade da pessoa humana, esta última que garante ao indivíduo o direito de fazer suas próprias escolhas, segundo seus planos de vida e projetos existenciais, a partir de suas visões de mundo, não cabendo espaço para proibições – especialmente no âmbito escolar – para obrigações de que alunos usem cabelos e unhas de tamanhos e cores determinadas pela direção escolar, bem como qualquer outra interferência sobre como essas pessoas desejem se expressar usando seus corpos.
Ainda segundo a recomendação, também não cabe à coordenação das escolas proibir o corpo discente de participar de discussões ou tomar parte em manifestações de natureza política, reivindicatória ou de crítica, dentro ou fora da escola, fardado ou não, ou ainda controlar o conteúdo de leituras ou publicações, o que configura violação ao Estado Democrático e aos princípios e direitos dele decorrentes, em especial a liberdade de expressão e de consciência.
Diante dos fatos, que foram devidamente apurados por meio de inquérito civil, foi recomendado que os destinatários, Governador do Estado e Comandante da PMAC:
- que se abstenham de restringir a liberdade de expressão, intimidade e vida privada dos alunos, com a imposição de padrões estéticos quanto a cabelos, unhas, maquiagem, acessórios, tatuagem, forma de se vestir, uso de grafias, henna ou imagens afins em qualquer parte do corpo, obrigatoriedade de uso de bonés ou boinas, e se abstenham de fiscalizá-los e/ou puni-los em razão da apresentação pessoal;
- que se abstenham de restringir a liberdade de expressão dos alunos, inclusive por meio de controle do tipo de publicação que levam para a escola ou fazem em redes sociais e pela proibição da participação em manifestações de qualquer tipo, sejam politicas ou reivindicatórias, dentro ou fora da escola, fardados ou não;
- que se abstenham de fiscalizar e proibir comportamentos neutros dos alunos, que não afetam direitos de terceiros ou interesses públicos, tais como mexer-se excessivamente, ler jornais, independentemente do conteúdo; captar/publicar imagem ou áudio servidores ou das dependências do Colégio; frequentar local de jogos eletrônicos, usar óculos esportivos, namorar, fazer apostas não proibidas, promover convites, ou qualquer outro tipo de proibição baseada unicamente em moralismo, incompatível com o Estado Democrático de Direito.
A recomendação foi assinada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão Lucas Costa Almeida Dias, pela procuradora de Justiça e coordenadora do CAOP Direitos Humanos e Cidadania do MP/AC Kátia Rejane de Araújo Rodrigues e pela promotora de Justiça Diana Soraia Tabalipa Pimentel.
Os destinatários têm 15 dias para responder como pretendem atender à recomendação, ou apresentar justificativa para o não atendimento, tendo sido alertados da possibilidade de medidas judiciais cabíveis, inclusive por eventos futuros imputáveis à sua omissão.