RIO — As cidades que registram maior aprovação ao governo de Jair Bolsonaro tiveram um aumento na taxa de contágio da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, 18,9% maior do que aquelas que demonstram menor apoio ao presidente, em março. É o que mostra um estudo das universidades da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, e de Bocconi, na Itália, publicado na última sexta-feira.
A pesquisa analisou o impacto em 255 municípios brasileiros das atitudes de Bolsonaro no dia 15 de março, quando o presidente subestimou a pandemia e cumprimentou manifestantes pró-governo em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília.
A alta na taxa de contaminação não se dá apenas pela aglomeração das manifestações pró-Bolsonaro que aconteceram naquele mês, como também pelo relaxamento de seus apoiadores em relação às medidas de isolamento social para conter o avanço do vírus.
Para chegar ao resultado, o estudo usou dados de cidades que tinham ao menos um caso confirmado da Covid-19, no período entre 8 e 26 de março, e levou em conta o percentual de votos pró-Bolsonaro no primeiro e no segundo turno da eleição presidencial de 2018.
No dia 15 de março, diversas cidades tiveram aglomeração de pessoas em manifestações de apoio ao presidente. O contato social promovido por esses atos não é o único fator que explica o crescimento nos contágios, indica a pesquisa.
Nos municípios com menor concentração de eleitores de Bolsonaro, os protestos que ocorreram em 15 de março fizeram com que a curva de contágio da Covid-19 aumentasse 24,7% em comparação com os locais que não tiveram atos a favor de Bolsonaro.
Já nos locais que registraram atos e onde ele também teve maioria popular, a taxa de contágio foi bem maior: 43,3% mais rápida do que nas cidades onde o presidente não teve a maioria dos votos e que não sediaram os atos, indicando que os moradores dessas regiões podem ter parado de seguir as medidas de distanciamento social após o 15 de março, influenciados pelo comportamento de Bolsonaro.
Contágio sobe mais em capitais bolsonaristas
O aumento de contaminações em lugares com mais eleitores do presidente, mas que não promoveram protestos, também tiveram aumento, segundo a pesquisa, o que aponta que os seus eleitores podem ter relaxado com as medidas de proteção após ouvirem suas declarações.
Dentre as capitais brasileiras onde o presidente teve mais votos em 2018 analisadas pelo artigo, estão Cuiabá, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Manaus, Natal, Palmas, Porto Alegre, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, São Luís, Teresina, Vitória, Boa Vista, Campo Grande, Porto Velho, Rio Branco.
De acordo com a pesquisa, antes das manifestações do dia 15 de março, não havia diferença nas taxas entre as cidades que apoiaram ou não o presidente na eleição. Após essa data, no entanto, os municípios com maior concentração de eleitores de Bolsonaro viram seus contágios subirem mais rapidamente do que as cidades que registraram menor apoio a Bolsonaro nas eleições de 2018.
Segundo os dados obtidos, os cenários entre cidades que tinham mais e menos apoiadores era semelhante até o dia 18 do mesmo mês. A partir desse dia começa a ter um aumento nos municípios que concentram mais eleitores de Bolsonaro. A justificativa do estudo para isso é que os três dias entre um evento e outro é o tempo necessário para a aparição dos primeiros sintomas da Covid-19.
Para chegar a essas conclusões, os autores da pesquisa compararam a taxa de contágio e isolamento, mas também a capacidade de cada município de testar sua população. O cálculo levou em consideração as cidades com maior PIB, que tendem a fazer uma testagem maior de seus pacientes. Uma das autoras do estudo, Paula Retti, afirma que esses dados foram incluídos na conta mas que, ainda assim, a taxa de crescimento dos locais que apoiaram o presidente foi maior do que aqueles em que ele não obteve maioria dos votos, mesmo considerando a capacidade de testar os seus moradores.
— Nós fizemos um cálculo em que consideramos as diferenças do PIB per capita e da população, que são variáveis que achamos que explicam a capacidade de testagem dos municípios e a velocidade com que o vírus se difundiria na ausência da influência do Bolsonaro. E vimos que a sua influência foi determinante no ritmo da taxa de contágio nos municípios que o apoiaram, mostrando que a maioria dos moradores desses locais acabaram seguindo as orientações do presidente.
Monitoramento de celulares
O estudo ainda usou dados do monitoramento de 60 milhões de celulares para avaliar se as medidas de restrições foram respeitadas ou não. Com base nas informações da empresa de tecnologia In Loco, a pesquisa mediu a porcentagem de aparelhos que permaneceram dentro de um raio a 450 metros do local identificado como “casa”. Aqueles que saiam desse perímetro indicariam as pessoas que burlaram o isolamento.
O cientista político e sociólogo da FGV Carlos Pereira explica que essa influência do presidente sob seus eleitores incide na parcela de seus apoiadores mais ideológicos, que continuam ao lado de Bolsonaro mesmo que tenham discordâncias em pontos específicos ou diante de situações excepcionais, como no caso de uma pandemia.
— Há uma parcela de eleitores, que não é trivial, que independente do que ocorra com o Bolsonaro vão continuar dando apoio a ele por uma questão fundamentalmente ideológica, e não racional. Essa política de Bolsonaro de minimizar a pandemia pode levar à morte de milhares de pessoas — explica Pereira.
O acadêmico segue:
— O eleitor dele quer isso? Obviamente que não, mas vai tentar encontrar um mecanismo psicológico que tente minorar essa divergência e vai dizer ‘mas o Bolsonaro pelo menos está lutando contra a corrupção’ ou que ele está ‘defendendo uma política pró-mercado’. E, com isso, o eleitor ideológico acha justificativas para continuar apoiando o seu representante, mesmo diante dessa situação.
Segundo o cientista político, um desses mecanismos psicológicos seria o chamado ‘custo-benefício’: o eleitor avalia a perda que vai ter confrontando o seu candidato ou o seu presidente com os ganhos das promessas que esse representante fez. De acordo com Pereira, quando se trata de apoios ideológicos, esses ganhos acabam superando as perdas.
De acordo com o estudo das universidades americana e italiana, em geral, eleitores do Bolsonaro tendem a levar a Covid-19 menos a sério do que aqueles que não apoiam o presidente e cumprem com as medidas de isolamento social.
Entre os motivos para isso, a pesquisa aponta que quem o apoia pode ser menos avesso a riscos e que tenham diferentes percepções de custo e benefício das restrições. O trabalho aponta que esses fatores podem derivar da influência que Bolsonaro exerce sob a sua base, alterando o entendimento dos riscos ou reforçando um embate entre saúde e economia, que pode levar a seus partidários a não seguir as orientações para prevenir a propagação do novo coronavírus.
Segundo o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), Luis Meloni, os dados obtidos na pesquisa são robustos e indicam uma tendência já comprovada em outros estudos: os apoiadores do presidente tendem a seguir mais literalmente as posições de Jair Bolsonaro. Segundo ele, não há a escolha entre salvar a economia e impedir o avanço do vírus, como defende o presidente
— O impacto na economia existirá agora, mas vai ser pior se não tomarmos as medidas necessárias para conter a pandemia. Uma coisa importante de se saber, nesse momento, é que o impacto econômico não virá por conta das medidas de isolamento social, ele virá por conta do vírus. E temos que escolher como lidar com isso, ou voluntariamente, adotando as medidas das organizações de saúde, ou involuntariamente, abrindo a economia e deixando as pessoas sofrerem, vai ser muito pior.
Segundo ele, a pesquisa mostra que a postura do presidente e sua capacidade de angariar os seus apoiadores, que seguem as suas palavras e não as indicações das organizações de saúde, pode se revelar catastrófica ao longo do tempo.