A disparada no número de mortes em Manaus já se reflete no cemitério Nossa Senhora Aparecida, mais conhecido como Tarumã. Por concentrar a maior parte dos sepultamentos da cidade (os demais só atendem em jazigos familiares), ele ficou sobrecarregado com a crise causada pelo novo coronavírus. Com mais de 100 óbitos por dia na capital desde a última terça, o local já não dá conta da demanda. E as autoridades buscam meios de controlar a situação.
Um vídeo que circula pelas redes sociais mostra os carros de agências funerárias formando uma longa fila para entrar no Tarumã. Como o cemitério não consegue atender a todos os óbitos ao mesmo tempo, a espera cresceu.
O presidente do Sindicato das Empresas Funerárias do Estado do Amazonas, Manuel Viana, confirmou o quadro retratado no vídeo. Ele admite que o número de mortes diárias cresceu acima das expectativas e, por isso, a organização dos enterros escapa ao controle.
- Antes do coronavírus, a média aqui era de 30 sepultamentos por dia. O setor funerário tinha feito uma projeção de que estaríamos em abril com algo em torno de 50 e poucos óbitos por dia. Mas só neste domingo morreram 122. Na terça da semana passada (dia 14) foram 102. Desde então, este número só cresceu.
Para encontrar soluções, Manaus criou um comitê de crise para óbitos formado por membros do setor funerário e das secretarias municipais da Mulher, Assistência Social e Cidadania (Semasc) e de Limpeza e Serviços Públicos (Semulsp), que inciaram os debates nesta segunda. A primeira medida para tentar conter o caos no Tarumã é o aumento do número de funcionários.
- Aí poderemos organizar os sepultamentos com uma velocidade maior. Aquele tumulto foi na hora do intervalo para o almoço. Provavelmente já a partir desta terça serão duas turmas fazendo um revezamento. Com isso, não vamos ficar sem atendimento na hora do almoço - explica Viana.
O primeiro indício de esgotamento veio justamente de um serviço da prefeitura: o SOS Funeral, oferecido de forma gratuita a quem não tem condições de arcar com os custos de remoção do corpo e com a taxa de sepultamento. Com capacidade para até 20 óbitos por dia, ele atingiu o seu limite na semana passada. A Prefeitura, então, recorreu às funerárias particulares, que agora se revezam diariamente para suprir esta ausência.
A Prefeitura de Manaus informa que instalou dois frigoríficos no cemitério para o armazenamento dos corpos da fila de espera. Com isso, é possível liberar os veículos da funerárias para a realização de novos serviços, principalmente os do SOS Funeral.
Dezenas de novas covas foram abertas na semana passada. Segundo a prefeitura, esta ampliação já estava prevista. Mas a pandemia de Covid-19 antecipou a medida.
Nesta segunda, a Secretaria Estadual de Saúde registrou mais três óbitos por covid-19, totalizando 185 desde o início da pandemia. Só que, além da defasagem nas confirmações, nem todos os casos chegam a ser testados. Logo, as autoridades não conseguem contabilizar todos as mortes que chegam ao Tarumã dia após dia.
Os números de mortes por insuficiência respiratória ou pneumonia ajudam a ter uma noção da contabilidade real. Grande parte dos óbitos que apresentaram sintomas de Covid-19, mas não foram testados, são registrados com aquelas causas.
De acordo com o portal da transparência do registro civil, que centraliza as informações passadas pelos cartórios de todo o país, foram 381 óbitos no estado do Amazonas por insuficiência respiratória até o dia 20 de abril. É o dobro do que foi registrado neste mesmo período de 2019: 190.
Já os registros de morte por pneumonia foram, até agora, 625. É bem mais do que as 376 contabilizadas de 1º de janeiro a 20 de abril de 2019.
Além disso, há as mortes por outros problemas que, mesmo sem relação com a Covid-19, acabaram sendo impactadas pela crise do sistema de saúde. Ou seja: pessoas que faleceram por falta de atendimento. A diferença do número de mortes gerais mostra o tamanho deste problema. Até esta segunda, foram 3.263 óbitos (por diversas causas) no Amazonas. Em 2019, de janeiro a abril (logo, num período até maior do que o atual), foram 2.560.
- Quando alguém está contaminado com o vírus pode passar até 21 dias internado. Então, você tem um prolongamento das ocupações dos leitos. E isso faz com que a gente tenha óbitos não só de pessoas com Covid, mas também daqueles com outros problemas e que não puderam receber atendimento. Esta questão nós não tínhamos calculado - admite Manuel Viana.