Sistema LEIA Precedentes foi um dos assuntos da reunião realizada por meio de videoconferência
Os desafios do Poder Judiciário brasileiro e a utilização de recursos de Inteligência Artificial (IA) pelas Cortes de Justiça do país, para auxiliar no processamento de demandas judiciais repetitivas foram assuntos de encontro virtual entre magistrados do Acre e estudantes da Universidade de Columbia na semana passada.
Apesar de distantes mais de 5.000 Km, o vice-presidente do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), desembargador Laudivon Nogueira, e o juiz de Direito Giordane Dourado (3° JEC / TRE-AC) conversaram, por videoconferência, com mestrandos da Escola de Assuntos Políticos Internacionais (SIPA), da Universidade de Columbia, em Nova Iorque.
O encontro virtual aconteceu por indicação do nome do juiz de Direito Giordane Dourado, pela direção do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), para detalhar experiências do Poder Judiciário brasileiro na área.
Durante aproximadamente uma hora, os acadêmicos Clara Langevin e Katsumi Sekizawa ouviram relatos dos magistrados sobre iniciativas desenvolvidas por Tribunais de Justiça brasileiros com a utilização de ferramentas de IA e sondaram eventuais dificuldades no gerenciamento dos sistemas pelos gestores de sistemas.
A pauta incluiu o funcionamento do sistema LEIA Precedentes, que utiliza ferramentas de IA para identificar demandas repetitivas, em petições recebidas por algumas unidades do TJAC, em caráter experimental. A vice-presidência do TJAC, órgão responsável pela gestão de recursos interpostos para a Instância superior e distribuição dos feitos de competência do Tribunal é uma delas.
As informações devem auxiliar no trabalho desenvolvido pela equipe do professor Andre Correa d´Almeida, na confecção de relatório sobre o uso de sistemas de IA no âmbito do Poder Judiciário Brasileiro, tanto pelos tribunais isoladamente quanto pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dentro do Programa Judicial Eletrônico (PJE).
O relatório final deve ser apresentado ao CNJ para auxiliar na construção de Políticas Públicas e saídas tecnológicas que possam ajudar a diminuir o enorme acervo de processos e incrementar o nível de eficiência dos serviços prestados à população, em especial, em relação às demandas repetitivas.
O trabalho de pesquisa conta com parceria entre a SIPA e do brasileiro Instituto de Tecnologia Social (ITS).
Enorme desafio
No encontro, o juiz de Direito Giordane Dourado destacou a importância de utilização de recursos de IA diante do desafio enfrentado pelo Poder Judiciário brasileiro, que tem hoje um acervo de mais de 80 milhões de processos e apenas 18.000 juízes de Direito para o julgamento dos casos, o que corresponde a uma distribuição de 4400 processos por juiz de Direito.
“Na comunidade internacional a media de julgamentos é de 400 processos por ano por juiz. No Brasil, essa media é mensal. Então é exatamente por isso se investe tanto em recursos de Inteligência Artificial, para lidar com essa demanda tão grande.”
É no contexto detalhado pelo magistrado que a utilização de ferramentas de Inteligência Artificial, embora incipiente, ganha importância, apresentando grande potencial e resultados promissores em algumas Cortes do país, como é o caso do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), que conta atualmente com três sistemas de IA: Poti, Clara e Jerimum.
Enquanto o primeiro realiza buscas e penhoras automáticas de valores, em processos de execução fiscal, os dois últimos atuam na leitura de petições e sugestões de providências e decisões, bem como na classificação e distribuição de processos que chegam diariamente ao Poder Judiciário.
“Nós temos hoje, no Brasil, iniciativas difusas em relação a IA. Iniciativas que são como guias. Elas estão tentando conversar. São vários sistemas e o que o CNJ está fazendo hoje é organizar, centralizar esses sistemas”, explicou o juiz de Direito Giordane Dourado.
O magistrado também assinalou iniciativas dos Tribunais de Justiça do Matogrosso do Sul e de Pernambuco na área, como, por exemplo, o sistema ELIS, do TJPE, que auxilia a rotina de triagem de processos.
“Então veja que de fato existe aí uma cognição, um nível cognitivo (apresentado pelas ferramentas de IA)”, assinalou.
A LEIA
No Acre, em razão do processo de virtualização processual e da adoção do Sistema de Automação da Justiça (SAJ), o TJAC foi um dos primeiros Tribunais de Justiça do país a gerenciar os feitos judiciais em ambiente virtual.
A experiência pioneira permitiu a adoção, no ano de 2019, do sistema de IA LEIA Precedentes, que realiza a leitura de recursos e gerencia uma fila exclusiva no SAJ com ações que envolvam demandas repetitivas. A ferramenta é coordenada pelo Núcleo de Gestão de Precedentes do TJAC (NUGEPE), juntamente com a empresa responsável pelo SAJ.
Embora ainda opere em caráter experimental, a LEIA tem sido utilizada diariamente no âmbito do TJAC, sem a necessidade de intervenção dos magistrados, como explicou o vice-presidente da Corte de Justiça Acreana, desembargador Laudivon Nogueira, que também preside o Comitê de Governança da Tecnologia da Informação do Tribunal.
“Como nós já vínhamos com o SAJ, essa ferramenta instalada no Tribunal, nós tínhamos que também encontrar soluções para resolver essa demanda enorme aqui no Acre e a Inteligência Artificial é uma aliada. A LEIA é basicamente voltada à seleção de processos que entram no Judiciário do Acre com alguma cuja matéria esteja vinculada a algum precedente das cortes superiores”, esclareceu.
O vice-presidente do TJAC também ressaltou que o objetivo, em um primeiro momento, é identificar a melhor utilidade da tecnologia, como, por exemplo, localizar processos com precedentes nas Cortes Superiores.
Em um segundo momento, é esperado que o sistema possa auxiliar também na elaboração das peças, despachos, decisões proferidas pelos magistrados do TJAC.
“Ela consegue fazer esse trabalho com eficácia e apresentar para o juiz os casos com precedentes. O que nós não podemos ainda é mensurar essa eficácia, porque é um projeto ainda em fase piloto, um sistema que ainda está aprendendo. E, aliás, esse trabalho da LEIA é um trabalho conjunto de todos os tribunais que também utilizam o SAJ”, assinalou o desembargador Laudivon Nogueira.
Os estudantes agradeceram a oportunidade e elogiaram a gestão do TJAC pela utilização das ferramentas, a qual classificaram como promissora diante do enorme acervo processual.
“Foi uma conversa muito esclarecedora. Achei muito interessante, são informações essenciais para o nosso projeto. Temos que ficar de olho na LEIA no futuro. Foi ótimo conhecer essa ferramenta. Além disso, eles também nos explicaram tudo de uma forma muito didática. É muito bom conhecer o que está sendo realizado no âmbito do Poder Judiciário brasileiro utilizando a IA”, comentou a mestrando do programa de Prática em Desenvolvimento da SIPA, Clara Langevin.
A equipe de estudantes é composta ainda pelos acadêmicos Katie Brehm, Katsumi Sekizawa, Bernardo Rivera, Momori Hirabayashi, sob coordenação do professor Andre Correa d´Almeida.
A dinâmica do projeto LEIA inclui a construção de matrizes de entendimento a partir da descrição e orientações dos Tribunais Superiores e um estudo técnico-jurídico dos processos já vinculados aos Temas. A matriz é, então, validada pelo Tribunal e transformada em algoritmo por cientistas de dados, com o uso massivo de técnicas matemáticas e computacionais de processamento de linguagem natural.
O algoritmo resultante da matriz validada “varre” as petições iniciais de cada processo judicial em busca de correlação semântica-matemática do documento e indica processos com maior nível de significância estatística com o algoritmo.
A ação de vinculação de um processo a um precedente permanece como uma prerrogativa do juiz titular da unidade judicial em que o processo está tramitando. A inteligência artificial sugere, com um alto nível de certeza, a partir da leitura da petição inicial, a vinculação do processo que poderá ser sobrestado pelo juiz quando corresponder a casos semelhantes em tramitação no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal.