Vídeo com montagem diz que meninas morreram depois de se imunizar, mas Ministério da Saúde diz que nenhuma criança ou adolescente com menos de 18 anos veio a óbito no Brasil por efeitos pós-vacinação; veja por que vídeo é falso
É falso que uma menina tenha morrido na Bahia após se vacinar contra a Covid-19 como afirmam vídeos compartilhados em redes sociais.
Segundo o Ministério da Saúde, nenhuma criança ou adolescente com menos de 18 anos veio a óbito no Brasil em consequência de evento adverso pós-vacinação.
A Secretaria Estadual de Saúde da Bahia também afirma não haver registro de morte de criança em decorrência da aplicação da vacina, ou mesmo casos em investigação que se enquadrem no perfil das meninas mostradas nos vídeos.
O Projeto Comprova verificou vídeos, áudio e fotos que circulam no Facebook, no Instagram e no WhatsApp que dizem que uma menina morreu após receber o imunizante contra a covid-19. Em outro vídeo, que circula por WhatsApp, é feita uma edição que une trechos de dois desses vídeos com os dizeres: “Mais uma criança veio a óbito” e a imagem de uma seringa.
É falso que uma menina tenha morrido após ser vacinada contra a covid-19 no Brasil. Em nota enviada ao Comprova no dia 27, o Ministério da Saúde disse que ninguém com menos de 18 anos faleceu após receber o imunizante no país.
Os vídeos que circulam na internet mostram crianças passando mal em dois momentos: vomitando em um balde e se queixando de dores em um leito hospitalar. As características físicas são aparentemente distintas. Esses vídeos foram compartilhados separadamente, com a atribuição de nomes diferentes às crianças.
Porém, há uma versão editada, que circula por WhatsApp, que une os dois trechos, dando a entender que seriam imagens de uma mesma menina e que ela teria morrido como consequência da aplicação da vacina contra a covid-19.
Nos diferentes conteúdos que circulam, as meninas são chamadas por vários nomes e há informações desencontradas sobre as cidades de origem. Mas em um dos vídeos é possível ver, ao lado de uma delas, um menino que usa o uniforme escolar da rede municipal de Salvador, na Bahia.
A Secretaria Estadual de Saúde da Bahia informou ao Comprova que o estado não registrou nenhuma morte decorrente de evento adverso pós-vacinação. O Estado também disse que não há nenhum caso em investigação que se enquadre no perfil de uma pessoa do sexo feminino com menos de 18 anos.
O painel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que registra os eventos suspeitos de farmacovigilância, diz que o único caso suspeito registrado na Bahia para a vacina da Pfizer foi de um homem adulto.
Outras mensagens sugeriam que uma das meninas teria sido atendida em Manaus. A Secretaria de Saúde do município foi procurada, e informou ao Comprova que não há registro de evento adverso grave pós-vacinação em menores de 18 anos na cidade. O painel da Anvisa aponta que, até o momento, não há nenhum caso de reação adversa suspeito para o imunizante da Pfizer em todo o estado do Amazonas.
O Comprova ouviu a mulher cujo número de WhatsApp aparece em algumas postagens compartilhando o áudio que seria da mãe da criança. Ela disse desconhecer a família e afirmou que recebeu o conteúdo de outros grupos e apenas o compartilhou porque estava em busca de informações sobre o episódio.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado.
Como verificamos?
Primeiro, procuramos por informações nos conteúdos suspeitos que pudessem nos indicar de onde eram as meninas que aparecem no vídeo e nas fotos e seus nomes. Além do uniforme da rede municipal de Salvador, algumas mensagens indicavam que ela poderia ter sido atendida no Hospital Estadual Costa do Cacau, que fica na cidade de Ilhéus, na Bahia, ou no Hospital Santa Izabel, uma Santa Casa em Salvador. Dois comentários no Instagram sugeriam que as imagens de ao menos uma das meninas seriam de Manaus, no Amazonas.
O Comprova procurou o Ministério da Saúde, a Anvisa, o Conselho Estadual de Saúde baiano e as secretarias de saúde da Bahia, de Salvador e de Manaus, em busca de informações sobre eventos adversos graves associados à vacinação em pessoas do sexo feminino que tivessem menos de 18 anos.
Também procuramos por e-mail o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento da Administração Hospitalar (IBDAH), que administra o Hospital Estadual Costa do Cacau, e o Hospital Santa Izabel pelo número de WhatsApp disponível no site.
O Comprova ainda procurou o Ministério Público do Estado da Bahia a respeito do compartilhamento dos vídeos.
Entramos em contato por WhatsApp com o número da mulher que, segundo alguns dos conteúdos, teria compartilhado o áudio associado à mãe de uma das crianças.
Por fim, buscamos os perfis que compartilharam as imagens das crianças e um outro que postou um vídeo que, supostamente, seria o relato da tia de uma das meninas negando a relação da morte com a vacina contra a covid-19.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 31 de janeiro de 2021.
Verificação
Nenhuma criança morreu após a vacinação
Embora os conteúdos investigados afirmem que a menina teria morrido após a vacinação, o Ministério da Saúde enviou uma nota ao Comprova afirmando que “não há registros de óbitos por causalidade com as vacinas covid-19 em menores de 18 anos” no Brasil.
A Secretaria Estadual de Saúde disse, também por meio de nota, que a Bahia não teve nenhum óbito decorrente de eventos adversos pós-vacinação até 27 de janeiro de 2022. Afirmou, ainda, que nenhuma menor de 18 anos do sexo feminino foi atendida no Hospital Regional Costa do Cacau, que pertence à rede estadual, com caso grave de reação adversa pós-vacinação.
Em um segundo contato, o Comprova insistiu para saber se havia algum caso de menor de 18 anos do sexo feminino em investigação. A pasta disse que não há nenhum caso com essas características em análise.
O Conselho Estadual de Saúde da Bahia afirmou não ter recebido informações sobre um caso suspeito de uma menina que tenha morrido após evento adverso relacionado à vacinação.
Já a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde de Salvador disse não haver registro de atendimento na rede municipal do caso mostrado no vídeo em que aparece, ao lado da criança, um menino com uniforme escolar da cidade.
Em resposta ao Comprova por e-mail, o Ministério Público da Bahia disse não ter tomado conhecimento sobre o compartilhamento dos vídeos. O órgão pediu que o material fosse encaminhado para o Centro de Apoio de Defesa da Criança e do Adolescente (Caoca), “para que o Ministério Público da Bahia possa apurar os fatos e tomar as devidas providências”.
A Anvisa e o instituto que administra o Hospital Costa do Cacau não responderam. Ao site Ilhéus 24 horas, a unidade de saúde disse que a morte da menina era falsa. O WhatsApp do Hospital Santa Izabel afirmou que o contato da assessoria de imprensa só poderia ser passado ligando para o número fixo da instituição, que não atendeu.
Como os conteúdos suspeitos já circulavam na Internet no dia 20 de janeiro, as meninas em questão só poderiam ter recebido a vacina Comirnaty, da farmacêutica Pfizer, uma vez que a autorização para aplicação da CoronaVac em menores de 18 anos só foi concedida pela Anvisa no dia 20.
Um painel no site da Anvisa registra as notificações de casos suspeitos por farmacovigilância em todo o país para vacinas e medicamentos. Na Bahia, a única reação adversa após aplicação da Comirnaty foi de um homem adulto, na faixa etária entre 18 e 44 anos, cuja notificação ocorreu em novembro de 2021.
No Amazonas, nenhum caso suspeito de eventos adversos relacionados à Comirnaty foi reportado à Anvisa.
As meninas
Nenhum dos conteúdos suspeitos diz qual o sobrenome das meninas. E cada um cita um nome diferente para a criança. No vídeo que foi compartilhado por uma página como sendo da tia de uma delas, a suposta parente também não cita o nome da menina. Sem essas informações, não foi possível identificar as crianças e confirmar com exatidão se as imagens mostram indivíduos distintos ou a mesma criança.
Procurado, o perfil que compartilhou o vídeo da suposta tia disse que retirou o conteúdo de um grupo do Telegram, mas não soube informar qual. E acrescentou não ter informações sobre a família e o local em que a postagem original do vídeo foi feita pela suposta tia, que, no vídeo, nega relação da morte com a vacina e pede para que parem de compartilhar a imagem que seria de sua sobrinha num leito hospitalar.
O Comprova tentou buscas reversas pelo conteúdo a partir dos prints retirados do vídeo, mas não encontrou outras postagens do material.
Por WhatsApp, o Comprova conversou com a mulher que compartilhou um áudio que seria da mãe da menina. Mas ela disse não conhecer a família, apenas compartilhou conteúdos que recebeu em outro grupo porque estaria em busca de mais informações sobre o caso.
Informações semelhantes também foram ditas em postagens de outros perfis que compartilharam o material nas redes sociais.
Também não foi possível localizar a criança por meio dos comentários deixados nas postagens, já que cada um trazia informações diferentes em relação aos nomes e locais em que as imagens teriam sido gravadas.
Por que investigamos?
O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, políticas públicas e eleições que tenham viralizado nas redes sociais. Juntos, os conteúdos investigados aqui tiveram mais de 3 mil interações só no Facebook.
Quando o conteúdo trata da pandemia, a verificação é ainda mais necessária, porque a desinformação pode levar as pessoas a deixarem de se proteger e se exporem a riscos de infecção. Isso fica ainda mais evidente pelo fato de os vídeos, imagens e áudio circularem no momento em a vacinação chega a crianças de 5 a 11 anos.
O site Boatos.org publicou uma checagem sobre os vídeos, negando a veracidade. Recentemente, o Comprova mostrou que o Ministério da Saúde descartou a relação entre a vacina e a morte de um adolescente em João Pessoa; que o vídeo de um pai desesperado é antigo, foi filmado no Amazonas e não tem relação com a vacina; e que uma publicação enganosa distorce dado de estudo alemão para criticar a vacinação infantil.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
*Investigado por: Jornal do Commercio, Estadão e O Dia. Verificado por: CNN Brasil, O Popular, Correio de Carajás e Correio Braziliense