Estudo realizado pela Embrapa gerou subsídios para a reformulação das regras para licenciamento ambiental de empreendimentos agropecuários e agrossilvipastoris, com finalidade comercial, em áreas alteradas do Acre. Publicada no fim de 2022, a nova Resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente e Floresta (Cemaf) define como critérios para emissão da licença o impacto ambiental da atividade e indicativos do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) do estado sobre o potencial de uso da terra. As mudanças conferem maior agilidade ao processo e contribuem para uma produção mais sustentável.
Elaborada por um grupo de trabalho, composto por produtores rurais e profissionais de instituições de pesquisa, órgãos de apoio e fomento à produção, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil, a proposta da nova norma se baseou em pesquisa sobre o potencial de poluição e degradação ambiental de atividades produtivas predominantes no Acre.
O estudo avaliou aspectos como os limites territoriais para áreas de reserva legal e de preservação permanente, sítios arqueológicos e territórios protegidos e considerou o potencial de adoção de tecnologias sustentáveis no processo de produção. Os resultados permitiram reunir as atividades produtivas, passíveis de licenciamento, em 19 tipologias classificadas de acordo com o grau de impacto ambiental.
“Na norma anterior, o principal parâmetro para emissão da licença ambiental era o tamanho da propriedade rural. Essa análise quantitativa, com ênfase no porte do empreendimento, desconsiderava o risco de danos ao meio ambiente que determinadas atividades rurais oferecem, independente da extensão da área que ocupam. A revisão e alteração dos critérios possibilitou criar mecanismos que permitem determinar o grau de impacto ambiental do negócio rural, de acordo com o tipo e com a forma como são conduzidos”, explica o pesquisador da Embrapa Acre, Judson Valentim, coordenador do estudo e relator do grupo de trabalho.
O pesquisador pondera, ainda que, quando alinhados a preceitos conservacionistas e às boas práticas de produção agropecuária, tanto pequenos negócios como grandes empreendimentos rurais podem ser sustentáveis e lucrativos. “A adoção de indicativos técnicos do Mapa de Subsídio à Gestão Territorial e Ambiental do ZEE do Estado como critério direcionador do processo de licenciamento ambiental, e de tecnologias recomendadas pela pesquisa, pode contribuir para uma produção mais sustentável no Acre”, acrescenta.
Segundo a secretária de Meio Ambiente e Políticas Indígenas do estado, Paola Daniel, a ausência de critérios técnicos como reguladores do licenciamento ambiental dificultava o trabalho do órgão licenciador e fragilizava o processo, com prejuízos para o produtor rural que ficava sujeito a questionamentos por parte das instituições de controle. O novo dispositivo ajusta aspectos normativos e adequa procedimentos administrativos, aspectos que tornam mais ágil a emissão da licença ambiental, em atendimento a demanda do setor produtivo.
“Contar com regras específicas para o licenciamento de atividades agropecuárias comerciais, potencialmente causadoras ou mitigadoras de impacto ambiental, proporciona maior transparência e segurança para os atores envolvidos no processo, em relação ao cumprimento de requisitos legais, uso adequado da terra e conservação ambiental por empreendimentos rurais”, enfatiza a gestora.
Grau de impacto ambiental
De acordo com legislação federal, o desenvolvimento de atividades agropecuárias comerciais deve ser autorizado por meio de licenciamento ambiental, de competência de estados e municípios ou da esfera federal, conforme o tipo de atividade. No Acre, nas áreas de jurisprudência federal, como terras indígenas e Reservas Extrativistas, o processo é de responsabilidade do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). Já nas áreas geridas pelo Estado, é realizado pelo Instituto de Meio Ambiente (Imac), órgão que também fiscaliza o cumprimento de aspectos ambientais por empreendimentos rurais.
A nova norma regulamentadora do licenciamento ambiental no Estado classifica as atividades produtivas licenciáveis em três níveis de impacto ambiental: baixo, médio ou alto. São consideradas de baixo impacto a reforma de pastagem degradada, com integração de lavouras anuais por plantio direto e de dessecação da vegetação; o cultivo de lavouras perenes em área degradada ou em substituição a área de pastagens, por plantio direto e com dessecação da vegetação; e a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) em áreas degradadas, de agricultura ou de pastagem, em sistema de plantio direto, com dessecação ou trituração da vegetação.
As atividades de médio impacto ambiental incluem a reforma de pastagem degradada com mecanização convencional do solo (aração e gradagem); a Integração Lavoura-Pecuária (ILP) em sistema de plantio mecanizado; o cultivo de lavouras anuais e perenes em área degradada ou em substituição a área de pastagem, com plantio convencional e mecanização do solo; o semiconfinamento de bovinos para fins de produção de matrizes e reprodutores; e a implantação de lavouras anuais ou perenes e de sistema de Integração Lavoura-Pecuária (ILP) com uso de irrigação, entre outras iniciativas de produção que envolvam a mecanização do solo.
Na classificação de empreendimentos de alto impacto ambiental estão a implantação de sistema de produção de lavouras anuais, a integração Lavoura-Pecuária (ILP) e as lavouras perenes, todas com irrigação com pivô central, e o confinamento de bovinos para fins de terminação.
“Atividades com baixo e médio potencial de degradação terão procedimentos simplificados, sem a necessidade de documentação técnica para o licenciamento. Já para licenciar atividades de alto impacto ambiental, entre outras exigências, é necessário apresentar projeto técnico detalhado e Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) por profissional registrado junto ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia. Caso o empreendimento rural envolva níveis distintos de impacto ambiental, o produtor deverá requerer uma licença para cada atividade”, orienta Valentim.
Embasamento técnico-científico
O Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) possibilita conhecer os riscos potenciais de impacto social e ambiental do negócio rural e a aptidão de áreas alteradas, a partir de informações sobre o solo como topografia, capacidade de drenagem e fertilidade, entre outros aspectos que determinam o potencial e vulnerabilidades da área para a produção agropecuária e florestal.
Construído a partir de estudos científicos desenvolvidos pela Embrapa e outras instituições e com base na legislação ambiental e nas mudanças decorrentes de processos de regularização fundiária e do uso da terra, essa ferramenta de gestão ambiental e territorial tem o objetivo de viabilizar o uso planejado da terra. A última versão do ZEE (Fase III), atualizada em 2022, mostrou que no Acre existem 380 mil hectares de pastagens degradas ou em degradação, com aptidão para cultivo intensivo de grãos para intensificar os sistemas de produção e gerar mais emprego e renda no campo.
“Dispomos de áreas com alto potencial para o cultivo de soja e milho, em sistemas de integração lavoura-pecuária, com plantio direto das lavouras. Também existem áreas com relevo acidentado e solos mais vulneráveis, que podem ser aproveitadas para implantação de sistemas agroflorestais ou ser reflorestadas. Vincular o licenciamento ambiental de atividades produtivas a uma das principais políticas públicas do Estado confere embasamento técnico-científico e credibilidade ao processo. A mudança normativa vai direcionar o licenciamento para atividades compatíveis com o potencial de cada área e, em caso de incompatibilidade, condiciona a implantação do negócio à adoção de tecnologias sustentáveis”, enfatiza Valentim.
Vantagens do licenciamento
A licença ambiental credencia o empreendimento rural como iniciativa ambientalmente adequada e possibilita o acesso dos produtores a financiamentos junto a instituições de crédito rural. O Acre é o único estado a adotar parâmetros técnico-científicos fornecidos pelo Zoneamento Ecológico-Econômico para o licenciamento de atividades agropecuárias e agrossilvipastoris.
“Com a nova Resolução, reduzimos de 60 para 30 dias o prazo para análise e resposta conclusiva quanto à aprovação de documentos e projetos submetidos ao órgão licenciador. Ao simplificar procedimentos, eliminamos a necessidade de informações que já constam em bancos de dados oficiais e isso ajuda a desburocratizar o processo de licenciamento e evita despesas desnecessárias ou inviáveis para os produtores,” afirma Paola Daniel.
Na opinião de Assuero Veronez, Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Acre (Faeac) e membro do Cemaf, com a mudança normativa o Estado dá um passo adiante no processo de licenciamento ambiental, mas ainda precisa avançar na definição de critérios mais compatíveis com a realidade e tendências do meio rural acreano, especialmente em relação a atividades com potencial mitigador de riscos ambientais, como a produção agropecuária em áreas já desmatadas.
“Nessas condições, o produtor rural investe para viabilizar a produção em solos antes improdutivos, o que gera benefícios econômicos, sociais e para o meio ambiente. Licenciar essas áreas anualmente requer tempo e recursos financeiros dos produtores e gera gastos também para o Estado. Além disso, as atividades produtivas, especialmente na agricultura, envolvem janelas de tempo curtas, em função de questões climáticas, e etapas que precisam ser realizadas no momento adequado. Entretanto, devido à demanda crescente e uma defasagem estrutural, muitas vezes, os órgãos licenciadores ficam impossibilitados de concluir o processo em tempo hábil, com prejuízos para o produtor”, afirma o gestor.
A preocupação de Veronez encontra eco em um projeto de lei já aprovado na Câmara Federal e em tramitação no Senado, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental no Brasil. A nova legislação federal busca estabelecer regras para simplificar processos de concessão de licença ambiental para atividades ou empreendimentos comerciais que se utilizam de recursos naturais e impõem risco ambiental, e encontrar um consenso para questões relacionadas à dispensa de licença ambiental para atividades produtivas.
A expectativa dos produtores é que, com a aprovação da Lei, por já existir uma legislação ambiental no Acre, que também atua para assegurar a legalidade dos empreendimentos rurais, limitar a emissão da licença a atividades com alto risco ambiental seja um caminho viável.