Mecanismo de adesão voluntária prevê pagamentos periódicos, com investimento de R$ 24 milhões em três anos; primeiros contratos foram assinados neste semestre.
Brasília (6 de outubro de 2020) – Produtores rurais da Amazônia serão pagos para conservar matas que, por lei, poderiam ser derrubadas dentro de suas propriedades. A iniciativa, chamada Conserv, será lançada amanhã (7/10), pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), em parceria com o EDF (Environmental Defense Fund) e com o Woodwell Climate Research Center, em um evento transmitido pelo canal do IPAM no Youtube às 10h.
Baseado em três anos de estudos, o instituto criou um mecanismo privado de compensação pelo chamado excedente de reserva legal, ou seja, a área com vegetação que o proprietário rural na Amazônia Legal preserva além dos 35% a 80% obrigatórios pelo Código Florestal.
O Conserv começou a operar neste semestre em Mato Grosso. Os proprietários rurais que escolhem participar receberão pagamentos semestrais pela manutenção da vegetação, após análise periódica da área contratada.
A primeira rodada de adesões obteve sete contratos de 30 meses, passíveis de renovação e que somam 6.500 hectares. Todos estão no município de Sapezal, localizado na região oeste do estado e escolhido devido a uma combinação de diferentes fatores, como existência de mata além da reserva legal; pressão por abertura de novas áreas para produção; e importantes serviços ecossistêmicos.
A previsão do IPAM é chegar a até 30 contratos em municípios pré-selecionados, englobando pelo menos 20 mil hectares, nos próximos meses. A adesão ao mecanismo é voluntária.
“O conceito do Conserv é simples, mas não simplório. Só em Mato Grosso, os imóveis rurais guardam 7 milhões de hectares de vegetação nativa, que correspondem de 140 milhões a 910 milhões de toneladas de carbono estocado, e que por lei podem ser suprimidos. Se essa mata é derrubada, há uma diminuição na disponibilidade de água, por exemplo, e mais gases do efeito estufa na atmosfera”, explica o coordenador do projeto Conserv, o pesquisador Marcelo Stabile, do IPAM. “O Conserv ajuda a reduzir a pressão do desmatamento nessas propriedades privadas, enquanto reconhece o papel daqueles produtores que conservaram a mata até hoje.”
Nesta fase, o IPAM vai testar esse mecanismo de compensação em condições reais, a partir de doações dos governo da Noruega e dos Países Baixos. Aproximadamente R$ 24 milhões serão pagos aos produtores durante esta etapa. Com o modelo aprovado, a intenção é transformar o projeto em um sistema que possa contemplar diferentes fontes de recursos, incluindo aportes privados.
“O objetivo é dar escala ao mecanismo e transformá-lo em um modelo de negócio perene para florestas privadas do país inteiro”, afirma o diretor-executivo do IPAM, André Guimarães.
Critérios de participação
Para aderir ao Conserv, o produtor rural e sua propriedade e, se for o caso, seus sócios passam por uma análise feita pela equipe do instituto. Ela inclui avaliação da área preservada, titulação, registros no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e no Sicar (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural), e a inexistência de infrações ambientais e civis. A análise é contínua, mesmo após a assinatura do contrato, e conta ainda com o monitoramento da área conservada por meio de imagens de satélite e visitas ao local.
“Queremos que o Conserv se torne um modelo de negócio que reconheça os produtores interessados em conciliar produção e conservação.”, afirma Stabile.
Segundo o coordenador do projeto, existe um campo vasto de intensificação das atividades agropecuárias ainda pouco explorado no Brasil, e que pode ser agregado pelos produtores rurais para expandir sua produção ao mesmo tempo em que são pagos pela manutenção da vegetação além do que é exigido pelo Código Florestal.
“Para nós, o Conserv é mais do que um projeto de pagamento por serviços ambientais, nem venda de carbono em mercados oficiais ou voluntários. É uma nova maneira de olhar para a paisagem rural, de forma que todos ganhem”, diz Guimarães.
Impacto
A Amazônia é uma parte crítica do sistema climático global, absorvendo cerca de 15% das emissões globais de CO2 existentes na atmosfera e liberando água, o que contribui com o sistema de chuvas, incluindo localmente, criando condições para a produção agrícola. As florestas também resfriam a superfície terrestre.
Produtores rurais são um dos grupos-chaves para a conservação da Amazônia. “Ao trabalhar com eles, desenvolvemos estratégias baseadas em evidências para preservar a vegetação ao mesmo tempo que atende às necessidades dos que moram, gerenciam e usam a terra”, afirma o diretor do Programa de Florestas Tropicais do Woodwell Climate Research Center, Michael Coe. “O Conserv é uma das estratégias voltadas aos produtores rurais.”
“Com o desmatamento ameaçando as florestas tropicais, uma parte essencial da solução é criar incentivos tangíveis para os produtores rurais protegerem as florestas além do que é exigido pela lei”, afirma o economista chefe de recursos naturais do EDF, Ruben Lobowski. “O Conserv é um modelo eficiente de transferência de recursos que protege florestas em risco em terras privadas, de uma forma que maximiza o impacto da proteção florestal e traz outros benefícios ambientais.”
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