Ainda na tenra idade, eu frequentava a igreja católica na comunidade rural onde morava e, anualmente, participava do novenário de Nossa Senhora da Glória, na cidade de Cruzeiro do Sul, sempre acompanhado da família e de vela na mão, pagando promessa que minha mãe fazia sempre que ela considerava necessária uma intervenção da padroeira, em alguma situação da vida e da família.
Na fase final da adolescência, converti-me ao protestantismo. Foram três anos de vivência numa igreja evangélica, tempo suficiente para aprender muito, ser batizado e até mesmo tornar-me líder de célula - uma prática de evangelização das igrejas neopentecostais modernas para ajudar na aquisição e consolidação de fiéis.
Hoje, sou mais cético e questionador. Não sou religioso e não participo regularmente de nenhuma entidade religiosa. Respeito todas e admiro algumas.
No plano político, não sou aliado nem opositor ao prefeito Ilderlei Cordeiro. Ele é o chefe político do executivo municipal e eu sou um cidadão comum, livre e em pleno gozo de meus direitos políticos e civis.
Faço esses esclarecimentos para deixar claro que a questão não é política ou religiosa, absolutamente. Mas, trata-se de um problema da cidade e o cidadão comum é parte dela. Agora, vamos ao que interessa.
A prefeitura demoliu o portal da Avenida Mâncio Lima para, supostamente, adequar à passagem de um caminhão de som da Marcha para Jesus e a reação contrária da população foi vigorosa.
Não confundir público com privado e religiosidade com laicidade são cuidados básicos que um gestor dever ter, ante a sua vontade e a vontade de seus séquitos e correligionários.
Criticar a demolição do portal não é politicagem. Certamente, esse juízo se encaixa mais adequadamente ao ato de destruir um monumento público para satisfazer à execução de um evento religioso que, vale frisar, ocorre há mais de 10 anos, sempre bem-sucedido, sem que nunca tenha sido preciso derrubar um tijolo de qualquer reminiscência arquitetônica da cidade.
Para além do gasto público com o desmonte e a possível construção de uma outra obra, aquele pórtico carregava uma simbologia de cidadania e dignidade de dezenas de famílias que moravam ali, às marges do Igarapé Boulevard Thaumaturgo, na lama. A Avenida Mâncio Lima foi construída e as famílias foram realocadas em outra área da cidade, pelo governo estadual, na época.
Além de observar a Constituição e as leis, o alcaide precisa conhecer a cidade e o seu povo. Saber o que agrada aos munícipes e o que soa desrespeitoso e socialmente agressivo. O prefeito é aquele que cuida e os cidadãos devem ser os verdadeiros donos da pólis. A opinião da maioria deve ser considerada e levada em conta para avalizar - ou não - qualquer ação do poder público.
Na gestão pública, quando o assunto é corrupção, malversação do erário e inobservância das leis, o MP, a PF e o TCE são os órgãos que devem intervir na administração. Quando se trata de violação do patrimônio urbano e cultural, além dos órgãos já citados, o clamor em uníssono da população deve ajudar na reparação do ato.
Um perigoso precedente destrutivo foi aberto. Se continuar assim, mais uma Marcha, um Novenário, um Carnaval e uma Expojuruá e Cruzeiro do Sul ficará em ruínas, e o já escasso orçamento público será drenado para gastos supérfluos com derrubadas e reconstruções.
Não consigo pensar o que será da Princesinha do Juruá se toda vez que houver um evento de grande magnitude e aglomeração, a prefeitura tiver que destruir uma parte da cidade. Provavelmente, ficará devastada depois de alguns poucos eventos.
A Marcha para Jesus já entrou para o calendário cultural e religioso da cidade. Mas, neste ano, será marcada por essa grave violação aos princípios da administração pública e à consciência provinciana do povo cruzeirense.
Romisson Santos é professor e cronista.